RAND Corporation explora futuros pós-guerra na Ucrânia, variando de “instabilidade onipresente” a um “Mundo Frio” mais estável, o relatório aborda as variadas possibilidades geopolíticas e suas implicações para EUA, Rússia, China, e OTAN. O analista geopolítico Leonid Savin reflete sobre cada cenário, as dinâmicas de poder envolvidas, o futuro da Ucrânia, e a rivalidade estratégica global, sublinhando a complexidade do conflito e os desafios para a diplomacia internacional.
Há vários resultados possíveis para o conflito na Ucrânia, e as opiniões dos especialistas dos EUA podem não estar alinhadas com a resolução final.
A RAND Corporation publicou um relatório analítico intrigante intitulado “Planning for the Aftermath: Exploring US Strategic Options for Russia’s Post-Ukraine Conflict” (Planejando as consequências: explorando as opções estratégicas dos EUA para o conflito pós-Ucrânia da Rússia), produzido pelo Centro de Análise da Grande Estratégia dos EUA em fevereiro de 2024, que examina quatro cenários para a Ucrânia pós-guerra.
Um dos cenários discutidos é o “Ubiquitous Instability” (Instabilidade onipresente), que imagina uma década após a guerra marcada pela turbulência em várias áreas. Entre elas estão as tensões na Ucrânia, os conflitos entre a Rússia e a OTAN na Europa e as rivalidades estratégicas entre os EUA e seus principais adversários nucleares, Rússia e China.
As principais nuances são as seguintes:
- A situação na Ucrânia continua sendo um barril de pólvora: ambos os lados violam o cessar-fogo e estão se preparando para uma segunda guerra.
- As relações políticas entre a OTAN e a Rússia estão piores do que antes.
- A política atual dos EUA está contribuindo para uma escalada da corrida armamentista nuclear com a Rússia e a China, pois elas estão colaborando para minar ainda mais os interesses dos EUA.
- As altas tensões estão acelerando a fragmentação econômica global e prejudicando o crescimento europeu, fatores que têm pouco efeito sobre a economia dos EUA.
Nessa situação específica, os autores examinam a situação atual: a indústria de defesa da Rússia está ativa, a China apoia a Rússia, a OTAN continua forte; no entanto, alguns membros veem os EUA como uma fonte de tensão e falta de acordos de controle de armas, o que alimenta a corrida. Os autores também reconhecem que o aumento da assistência à Ucrânia aumenta a probabilidade de ataques preventivos por parte da Rússia, já foi anunciado que qualquer novo equipamento se tornará um alvo legítimo, e as tentativas de retaliação por parte do regime de Zelensky estão levando à militarização do poder e ao enfraquecimento da democracia. Esse é o ambiente dos últimos anos.
Também se sugere que o aumento da cooperação de segurança dos EUA com outros países que não faziam parte da antiga URSS leva a uma competição mais intensa com a Rússia na região.
O segundo cenário é a “instabilidade localizada“. Em termos globais, a situação parece melhor para todos os lados, mas o risco de um novo conflito na Ucrânia continua alto. Principais questões:
- A Ucrânia e a Rússia não estão comprometidas com um cessar-fogo, portanto, o risco de escalada ao longo da linha de contato continua alto.
- As tensões políticas e militares entre a OTAN e a Rússia, embora ainda sejam altas, são menores do que no primeiro cenário.
- A dinâmica nuclear com a Rússia e a China é mais estável.
- A menor fragmentação da economia global resulta em menos impacto sobre os Estados Unidos.
Nesse caso, Washington está adotando uma abordagem menos pesada em relação à Rússia, já que a assistência anterior à Ucrânia não deu em nada. Os EUA esperam estabilizar as relações e voltar sua atenção para o Indo-Pacífico.
Como a Rússia vê a ameaça do Ocidente diminuindo, ela está reduzindo os investimentos em armas estratégicas e concentrando sua atenção na preparação para uma nova guerra na Ucrânia.
Vários aliados dos EUA na OTAN, especialmente a Alemanha, estariam interessados nesse cenário. Uma linha menos dura em relação à Rússia também exigiria menos recursos dos EUA na Europa, liberando fundos e forças para o Indo-Pacífico.
Washington favorece o retorno aos acordos bilaterais de controle de armas, está hesitante quanto a uma maior integração da Ucrânia à OTAN e é cauteloso quanto ao envolvimento em confrontos com países não pertencentes à OTAN na região pós-soviética.
Deve-se observar que essa política menos rigorosa não prejudica as já fortes capacidades de dissuasão da OTAN. A Rússia também não atacou os países membros da OTAN durante a guerra, apesar do apoio sem precedentes dos aliados à Ucrânia. Portanto, essa abordagem seria racional para o Ocidente.
Embora os EUA continuem a apoiar Kiev, eles estão adotando uma estratégia defensiva. Ao mesmo tempo, a questão da militarização persiste na Ucrânia, juntamente com as preocupações sobre a erosão da democracia e da estabilidade econômica.
O terceiro cenário é a “Guerra Fria 2.0“. Aqui, as tensões estratégicas e regionais estão criando uma nova atmosfera semelhante à da Guerra Fria.
- As tensões ao longo da linha de contato na Ucrânia estão se tornando menos pronunciadas, a economia da Ucrânia está se recuperando e suas instituições democráticas estão se fortalecendo.
- Sentindo-se ameaçada por uma postura de poder assertiva dos EUA na Europa, uma Rússia enfraquecida está confiando mais em sinalização nuclear e táticas de zona cinza para proteger seus interesses.
- Os EUA estão envolvidos em uma corrida armamentista nuclear com a Rússia e a China.
Nesse caso, é necessário um resultado favorável para o Ocidente, e os EUA não estão apenas adotando uma política dura, mas pretendem atacar a Rússia enquanto ela estiver em declínio. Isso poderia acontecer devido ao enfraquecimento da Rússia. No entanto, isso não está acontecendo e não há sinais de que o setor de defesa ou a economia da Rússia falhará. Pelo contrário, todos os indicadores, inclusive os das instituições liberais ocidentais, falam do crescimento do PIB da Rússia.
Em geral, esse cenário aumenta o risco de conflito nuclear em comparação com outras opções. As tensões políticas também estão aumentando à medida que os EUA apoiam a Ucrânia e atraem outros estados pós-soviéticos para sua órbita de influência.
A Rússia procura contrabalançar a influência dos EUA na região, criando um risco maior de conflito nesses países, embora o risco de um novo conflito ao longo da linha de contato na Ucrânia seja menor do que nas opções 1 e 2 devido à moderação de ambos os lados.
O compromisso da Ucrânia com o cessar-fogo e a reconstrução com reformas está gerando apoio da UE. A repatriação de refugiados e os fluxos de investimento privado estão impulsionando o crescimento econômico. Kiev não está mais pensando em uma contraofensiva que leve à desmilitarização e à restauração da democracia.
Embora os autores reconheçam que a política dos EUA de apoiar a Ucrânia e integrar-se à OTAN poderia levar a Rússia a lançar um ataque preventivo.
O quarto cenário é o “Mundo Frio“.
Aqui, o futuro é definido por uma maior estabilidade (estratégica, regional e local) em comparação com os outros.
- As tensões nucleares entre os EUA, a Rússia e a China são menores do que em outras opções futuras.
- As relações entre a OTAN e a Rússia se tornam mais tensas, mas a probabilidade de confronto direto é menor em comparação com outros cenários potenciais.
- O cessar-fogo na Ucrânia permanece em vigor e espera-se que dure por um período prolongado em comparação com outras possibilidades.
- A Ucrânia está se integrando à UE, fortalecendo sua democracia e criando um mecanismo independente para conter a Rússia.
Os EUA também se beneficiam de um resultado positivo e adotam uma postura menos agressiva quando se trata de aliviar as tensões políticas e militares na Europa. Os EUA estão dispostos a negociar conflitos, o que levará a uma redução da tensão. Os EUA e a Rússia continuam sendo rivais e estão ainda mais desconfiados um do outro.
Entretanto, o risco de conflito entre a OTAN e a Rússia é menor. Embora a competição estratégica de armas com a China persista, a postura nuclear mais cautelosa dos EUA não está exacerbando as tensões.
Isso leva a uma menor fragmentação da economia global e as economias europeias estão se tornando relativamente mais fortes. Como resultado, a geopolítica não afeta a economia dos EUA tanto quanto outras opções.
A Ucrânia se concentra no desenvolvimento econômico e na integração com a UE e adota uma postura defensiva. Os dois lados estão longe de chegar a um acordo de paz, mas estão progredindo em questões mais restritas, como a troca de prisioneiros e a liberdade de movimento de civis entre as linhas de conflito. Como o governo da Ucrânia se concentra nas reformas e o risco de guerra é baixo, sua economia está indo muito bem nesse futuro.
Obviamente, todos os quatro cenários foram escritos sob a perspectiva dos interesses dos EUA e não preveem levar os objetivos da operação militar russa à sua conclusão lógica. Considerando a postura da Rússia em relação à Ucrânia, em cada cenário os EUA enfrentam a possibilidade de eventos inesperados, como novas informações ou fatores que os especialistas dos EUA podem ter negligenciado ou optado por ignorar. É provável que esse seja o caso no futuro.
Fonte: Geopolitika.ru.