América Latina: Resultados 2023 e Perspectivas 2024

O ano de 2023 viu o início de uma recuperação econômica após a crise pandêmica, mas também o acirramento das contradições entre investimentos russo-chineses e as pretensões estadunidenses de hegemonizar o continente. O que 2024 nos reserva?

Situação geral

Em 2023, a América Latina continuava sendo uma das regiões mais instáveis e heterogêneas do mundo. O período atual pode ser chamado de pós-pós-pós e é caracterizado por correntes parcialmente opostas. Há uma recuperação da economia e um desejo de estabilidade após a recessão de 2020-2021. Ao mesmo tempo, a recessão pós-pós seguiu-se a um período bastante longo de estagnação econômica. De acordo com a Comissão Econômica das Nações Unidas, a taxa de crescimento da economia foi a menor em 40 anos e foi uma verdadeira tragédia para vários países da região, desde os mais pobres – Cuba e Venezuela (nesses países, a queda do PIB foi recorde e chegou a 30%) – até os mais estáveis. Por exemplo, o anti-campeão em termos de problemas na era pós-Guerra Fria é o Panamá, que depende do comércio global. O Panamá ainda está lutando para se recuperar desse choque econômico, que tem um forte impacto sobre o ambiente social, em especial a máfia das drogas, que é desenfreada. Além disso, a seca de 2023 reduziu o número de navios que transitam pelo Canal do Panamá, afetando também a receita dos cofres do Estado.

Após esses anos economicamente difíceis e 2022, quando a economia se acalmou um pouco, o ano atual de 2023 registrou um crescimento médio de 6,6%.

  • O ritmo mais rápido, apesar da difícil situação social, é mostrado pela recuperação do Panamá, com 15%.
  • O crescimento de 13% foi registrado no Peru, que tem uma situação social difícil devido aos protestos que começaram em 2022 por causa da ascensão de Dina Boluarte ao poder.
  • Em terceiro lugar, com 12%, está Honduras, liderada pela presidente de esquerda Xiomara Castro.

É interessante notar que o Banco Mundial, em seu relatório anual, destaca o crescimento estável do PIB de Cuba, o que permite concluir que Cuba continuará com sua política econômica baseada em uma renovação bastante tranquila e que o crescimento econômico do país continuará. Entretanto, não devemos nos esquecer de que Cuba está sujeita a um embargo de sessenta anos por parte dos Estados Unidos, e grande parte do crescimento se deve a três fatores:

  1. A ajuda petrolífera da Venezuela e da Rússia,
  2. A entrada em operação de fábricas em 2023, a maior das quais foi a usina siderúrgica José Martí Antillana de Acero, construída com investimento e equipamentos russos, e
  3. O renascimento do turismo.

Os turistas mais ativos em Cuba são canadenses e europeus. Em outras palavras, apesar da forte presença russa na economia do país, existe uma possibilidade bastante séria de influenciar a psique dos cubanos a partir da posição do Ocidente coletivo. Isso é algo a que devemos prestar muita atenção.

A luta pela região

A Rússia, a China e os Estados Unidos continuam lutando pela influência no continente. É verdade que muitas táticas mudaram ao longo deste ano.

Moscou, que tradicionalmente se baseia na cooperação militar, não a está abandonando, mas está acrescentando cada vez mais alavancas econômicas e ideológicas. Em termos de ideologia, os países da região estão respondendo ao conceito de multipolaridade, independência e cooperação mutuamente benéfica que Moscou transmite, especialmente em contraste com a frase depreciativa “o quintal dos EUA”. Muitos países já perceberam os benefícios econômicos da cooperação com a Rússia. Moscou utiliza o comércio direto, fornecendo aos países mercadorias muito necessárias – grãos, fertilizantes, produtos petrolíferos – e impulsiona as economias da região por meio da cooperação científica e técnica: os exemplos mais famosos são o trabalho da Rosatom na Bolívia e da Roscosmos em Cuba.

O Centro Russo de Pesquisa e Tecnologia Nuclear na Bolívia não tem igual no mundo: o local está situado a quatro quilômetros acima do nível do mar. De acordo com informações da Rosatom, o complexo será usado não apenas para fins humanitários, conforme relatado por muitos meios de comunicação, mas também para coisas ainda mais interessantes, como treinamento de especialistas para trabalhar em condições geológicas difíceis, pesquisa de água e pesquisa sobre a operação do reator em uma atmosfera rarefeita. Lembre-se de que uma das divisões da Roscosmos, o escritório de projetos do Arsenal, está desenvolvendo paralelamente as possibilidades de uso da energia nuclear no espaço extraterrestre. Parece que o centro de pesquisa boliviano poderia ajudar os cientistas russos a dar mais um passo à frente, deixando para trás seus colegas dos “concorrentes geopolíticos”. A propósito, outra pesquisa espacial que a Rússia está realizando nas proximidades – no observatório russo-cubano perto de Havana – não diz respeito apenas à astronomia, mas também à medicina e à biotecnologia. Portanto, não são apenas os EUA que cercam a Rússia com laboratórios biológicos nos países da CEI.

Washington, como no passado, usa os métodos de “revoluções coloridas”. Recentemente, os especialistas latino-americanos têm ouvido falar cada vez mais sobre o renascimento da Operação Condor, quando, nas décadas de 1970 e 1980, cerca de cem mil pessoas foram mortas nos países da região com a ajuda da CIA. Agora, os serviços de inteligência dos EUA estão ocupados em abalar a situação socioeconômica em vários países da região, sem esconder isso. E, é claro, Washington usa ativamente a guerra de sanções, como no caso da Venezuela, o bloqueio econômico – em Cuba, e em menor grau – a ideologia, já que quase nenhum dos líderes latino-americanos fala mais sobre os benefícios dos EUA. A exceção mais óbvia e específica é o recém-eleito presidente argentino Javier Milei. No entanto, Washington se tornou mais ativo no uso da influência das seitas protestantes, cujo número nos países latino-americanos cresce a cada ano.

No que diz respeito à China, ela age por meio da economia. Pequim é agora o principal parceiro comercial da região, em vez de Washington, que há muito tempo ocupa essa posição. Um exemplo interessante é a Guatemala, que, por um lado, é um dos poucos países da região a reconhecer a independência de Taiwan em relação à China, ideologicamente alinhada com Washington, mas, por outro lado, a China já é o segundo maior parceiro comercial. Em 2022, Pequim ocupará o oitavo lugar, portanto, a tendência é claramente visível, e não há nenhuma chance de que qualquer país, exceto a Argentina, mude sua sanidade econômica e abandone sua parceria com a China por causa das palavras sonoras e dos elogios paternalistas de Washington. Se em 2022 a China estava restaurando e construindo portos e infraestrutura na região, em 2023 ela começou a adquirir depósitos minerais. Nesse sentido, Pequim está quase sempre competindo com Moscou, e a história do lítio boliviano é indicativa a esse respeito, quando, no início de 2023, a licitação para a extração de lítio no terceiro maior depósito do país foi compartilhada pela empresa chinesa CATL Brunp & Cmoc e pela subsidiária da Rosatom, a Uranium One, deixando a empresa norte-americana fora da disputa.

Previsões e tendências

É claro que a luta pela região continuará e, embora a abordagem de Moscou e Pequim envolva uma concorrência justa que, em princípio, beneficia as economias dos países da região, a influência dos EUA, como sempre, é corrosiva. No próximo ano, não estão excluídas tentativas de provocação em pontos críticos: por exemplo, na região de Essequibo, disputada entre a Venezuela e a Guiana. Em 3 de dezembro deste ano, foi realizado um referendo na Venezuela, no qual os cidadãos do país votaram a favor da anexação de Essequibo. Posteriormente, Washington tentou realizar várias “ações”, desde notícias falsas banais sobre um confronto armado até exercícios militares com os “parceiros” da Guiana. Apesar de Caracas, com seus consideráveis problemas econômicos, ter iniciado há décadas (Hugo Chávez começou com isso) programas de apoio ao povo de Essequibo e enviado petróleo de graça para essa bela região selvagem ameríndia no âmbito do programa Petrocaribe, Washington poderia fomentar o sentimento antivenezuelano na parte menor da Guiana, que corre o risco de empobrecer sem o Essequibo, rico em fósseis. Isso pode ter consequências imprevisíveis.

A outra área em que os EUA atuarão é a própria Venezuela. O país realizará eleições em 2024. Washington está extremamente preocupado com a participação da oposição. Tanto que aliviou algumas das sanções antivenezuelanas e, em 20 de dezembro, trocou o enviado diplomático venezuelano Alex Saab, detido ilegalmente em 12 de junho de 2020 em violação ao direito internacional a pedido dos EUA em Cabo Verde, onde seu avião havia feito um pouso técnico para reabastecer. Desde então, a Venezuela tem trabalhado arduamente para garantir sua libertação e agora a troca com dez cidadãos americanos parece ser uma grande vitória para a diplomacia venezuelana. Nesse contexto, os interrogatórios de ex-funcionários e colaboradores do autodenominado “presidente” venezuelano Juan Guaido estão ocorrendo nos EUA. Esta semana, o FBI lançou uma investigação sobre os gastos dos EUA com essa figura. Vários de seus colaboradores mais próximos já foram interrogados e foram tiradas conclusões – triviais – sobre o corte de um milhão de dólares por parte de oponentes liberais. Mas não devemos ficar surpresos ou relaxados: Washington está simplesmente se preparando para substituir um fantoche por outro, que provavelmente desempenhará um papel mais forte. Para a Venezuela, o próximo ano pode ser muito difícil e Caracas, embora sofra com vários problemas econômicos, como a inflação recorde, continua a ser um ator confiável para muitos países da região.

Outra tendência insalubre, por uma estranha coincidência também ligada aos Estados Unidos, é a disseminação do crime relacionado às drogas, que fortalece as gangues onde elas estavam presentes anteriormente e surge onde elas praticamente não existiam. Assim, em um cenário de uma situação social cada vez mais estabilizada na Colômbia, os cartéis de drogas transferiram suas atividades para países anteriormente considerados entre os mais seguros. Por exemplo, o Equador, que recentemente competiu com o Chile pelo título de país mais seguro da região, não envia mais bananas de Guayaquil, o maior porto da América Latina, mas enormes carregamentos de drogas. Em dezembro de 2023, por exemplo, cargas recordes foram descobertas em Moscou e São Petersburgo, transportadas exatamente como bananas – a marca registrada dos cartéis de drogas da região.

Embora seja verdade que a região é um dos centros do tráfico de drogas, a situação piorou este ano, com os cartéis de drogas travando uma batalha ainda mais feroz pelo controle do tráfico. Especialmente após a mudança de poder em alguns países: no Equador, onde o presidente foi eleito na segunda tentativa entre os candidatos sobreviventes, e antes do segundo turno os candidatos foram perseguidos e um candidato à presidência e vários candidatos ao governo local foram mortos. Também foram realizadas eleições no Paraguai e na Guatemala, mas não houve os mesmos excessos que no Equador.

Vale a pena lembrar que, no início do ano, no México, tendo como pano de fundo a Cúpula dos Países da América do Norte, com a presença do presidente mexicano Andrés Manuel Lopez Obrador, do primeiro-ministro canadense Justin Trudeau e do presidente dos EUA Joe Biden, começaram as hostilidades reais contra o cartel Los Chapitos no estado de Sinaloa. E então começaram as negociações para convidar não apenas o FBI, mas também outra unidade – a Administração de Combate às Drogas dos EUA (DEA). Por exemplo, o ministro do governo boliviano Eduardo Del Castillo falou sobre a DEA. Ele lembrou que o escritório sediado em Washington foi expulso da Bolívia em 2008 por interferência política – e não retornará ao país. A única coisa que ele buscava era subordinar a soberania da Bolívia ao intervencionismo americano”, destacou o ex-presidente boliviano Evo Morales. Agora, a Bolívia, tendo renunciado à influência norte-americana e globalista, está obtendo os melhores resultados econômicos da América Latina, conforme confirmado pelos próprios globalistas no Fundo Monetário Internacional e no Banco Mundial.

O México também realizará eleições gerais em 2024, para eleger o presidente, os deputados e os senadores. O partido de Morena tem a chance de manter a continuidade e permanecer no poder, o que significa uma abordagem crítica à política dos EUA, embora seja improvável que a cooperação bilateral, devido aos estreitos laços econômicos, seja suspensa.

Entretanto, apesar das contradições internas, os países da região latino-americana mostram uma tendência de aproximação. Por exemplo, a admissão da Bolívia, que estava tentando entrar no Mercosul há oito anos, é um indicativo. Anteriormente, após o “conselho” dos Estados Unidos, considerou-se que “as instituições democráticas desse país não são muito fortes”. Agora, um dos oponentes mais conhecidos do atual governo, Luis Fernandez Camacho, está preso e as estruturas do FMI e dos EUA foram expulsas. “Instituições democráticas” é uma desculpa de quando o Uruguai e o Paraguai eram vassalos dos Estados Unidos. O convite da Bolívia para o Mercosul este ano é o resultado de uma tendência à independência e à construção de seu próprio polo de poder latino-americano.

Devemos incentivar essa tendência crucial, que pode mudar completamente a estrutura do mundo.

Fonte: Katehon

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Katehon
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