Numa era de conflitos mundiais decisivos, pensar alternativas ao modelo demo-liberal é uma questão de sobrevivência para o Brasil, sob a pena de acabar perdendo-se de si mesmo.
Azevedo Amaral foi um ensaísta, jornalista e pensador nacionalista que, durante a Era Vargas, apresentou grandes contribuições teóricas para o desenvolvimento do Pensamento Nacional. Seu principal objeto de reflexão foi o Estado Novo, regime que acreditava corresponder ao que denominou de “Democracia Autoritária” ou “Estado Autoritário”.
Neste modesto ensaio procuro demonstrar alguns dos mais relevantes pontos de sua filosofia política, delineando a aplicação de suas ideias para o Brasil de hoje.
Autoridade e Brasilidade
Embora o vernáculo politicamente correto abomine a palavra “autoritarismo”, cumpre esclarecer que nem o espírito da Civilização Iberoamericana e menos ainda a História Nacional depõem contra a ideia de Autoridade. Colocando as coisas em perspectiva: o povo brasileiro aprecia estadistas que operam com altivez e firmeza, diligentemente direcionando a nação aos rumos devidos, sem titubear frente às pressões endógenas e exógenas. Um Governo “másculo e corajosamente autocrático”, no dizer de Gilberto Freyre. Cassiano Ricardo, a seu turno, verá neste fenômeno uma reminiscência psíquica da estrutura de comando das Bandeiras, elemento fundacional na formação do Estado-Civilização brasileiro. De minha parte, sustento a hipótese de que talvez este aspecto de nossa psicologia derive de um hábito cognitivo adquirido no passado colonial/imperial ou, mais profundamente, de a um resquício sebastianista ─ sempre à espera do regresso do Rei ─ impresso no inconsciente coletivo do homem brasílico.
Destarte, independente das causas subjacente, fato é que o anseio por um governo “autoritário” faz parte da Brasilidade, e é nesta seara de entendimento que os aportes teóricos amaralianos encontram seu nexo de sentido.
Autoridade e Democracia
Para Amaral, a Autoridade é a única instância capaz de garantir a realização histórica das diferentes classes e camadas sociais do País, não havendo, portanto, contradição entre Autoritarismo e Democracia. Afinal, oportunizar a mais ampla e heterogênea participação efetiva na Vida Nacional é exatamente o que preconiza o ideal democrático mais rudimentar. Deixando Azevedo falar, em sua obra O Estado Autoritário e a Realidade Nacional:
“O Estado autoritário baseia-se na demarcação nítida entre aquilo que a coletividade social tem o direito de impor ao indivíduo, pela pressão da maquinária estatal, e o que forma a esfera intangível de prerrogativas inalienáveis de cada ser humano […] No Estado autoritário, porém, não há compressão do indivíduo ou cerceamento das suas iniciativas e atividades, por forma a submeter a coletividade nacional à ação arbitrária do poder público em condições praticamente equivalentes a um regime de escravidão. Tanto no plano espiritual como na esfera econômica, a autoridade do Estado do tipo agora adotado no Brasil [o Estado Novo, sob o Presidente Getúlio] faz-se sentir sob a forma de coordenação e reajustamento das atividades dos indivíduos e dos grupos sociais, bem como pela intervenção protetora que visa preencher, pela assistência estatal, as deficiências e lacunas verificadas no tocante a assuntos que normalmente devem permanecer na órbita das responsabilidades individuais […] O critério da intervenção do Estado no regime autoritário é promover primacialmente o bem público, mas sem comprimir ou reduzir as iniciativas e liberdades individuais além do ponto em que elas entrem em conflito com o interesse coletivo”.
Por tal encadeamento de ideias já se pode notar que estamos diante do clássico imperativo nacional-revolucionário – presente também no pensamento de Primo de Rivera, Muammar Gaddafi, Michel Aflaq, Ramiro Ledesma, Perón, Kim Jong Il, dentre outros – a respeito da nacionalização da sociedade; obviamente, não em um sentido jurídico (o que seria absurdo, já que a sociedade nacional já é “nacional” por definição), mas política, psicológica e espiritualmente, nos termos de uma inoculação do todo social num determinado projeto estruturante de Nação.
Os mecanismos do Estado Autoritário
Concretamente, tal feito poderia ser alcançado, na ótica de Azevedo Amaral, a partir de dois passos programáticos básicos: (a) um Executivo forte, incorporando a Autoridade mais elementar do Governo; (b) pela Democracia Direta, com o emprego amplo de plebiscitos e instâncias de co-gestão em diversos setores do Estado – superando, assim, a fenda entre Estado e Sociedade (ou seja, destruindo do modelo demo-liberal).
Para o teórico estado-novista, a convocação da sociedade ao exercício democrático por meio de decisões disjuntivas (do tipo ou A ou B) diretas, em tópicos de Interesse Nacional, equivaleria a uma forma muito superior de participação popular no seio do Estado, sobretudo se comparada aos modelos ─ ditos participativos ─ indiretos, nos quais há a mediação de instâncias parlamentares contaminadas por lógicas mesquinhas e por interesses de grupos oligárquicos, por vezes internacionais (caso da República Velha e, curiosamente, da chamada Nova República pós-redemocratização).
O Chefe de Estado e o atributo da Decisão
É digno de nota que, no léxico estado-novista, frequentemente se use o conceito de Estado Nacional de modo intercambiável com o de Estado Novo. Isso ocorre porque o tipo de Estado inaugurado pelo Presidente Getúlio se pretendia guardião da vontade do povo através dos mecanismos anteriormente descritos. E sendo a nação, em sua conceituação mais elementar, a expressão coletiva do povo, segue-se que o Estado Nacional se configura como um autêntico Estado Popular. Neste cenário, o Chefe de Estado emerge como aquele que, plasmando em si a dimensão histórico-ontológica deste mesmo Povo, é capaz de decidir os rumos da Nação.
Ora, tal caraterística do regime autoritário é possivelmente o que melhor indica o parentesco entre as noções teóricas de Azevedo Amaral e o conceito de “cesarismo”. Como bem assinala Raphael Machado fazendo menção a Spengler e ao seu entendimento a respeito da “Era do Cesarismo” como ruptura da “Ditadura do Dinheiro” e “vitória da espada sobre o dinheiro: a subjugação da vontade de saque pela vontade de domínio” ─ tal como de fato foi realizado pelo Imortal Presidente ao vencer as oligarquias anti-nacionais da República do Café com Leite.
A democracia cesarista no lugar de Liberalismo, Comunismo e Fascismo
Seguindo uma prolífica tradição teórico-política nacional ─ a qual integrarão nomes como Paulo Augusto de Figueiredo, Francisco Campos, Almir de Andrade, Oliveira Vianna, Severino Sombra, dentro outros ─ Azevedo Amaral, entusiasta e intelectual de vanguarda da Revolução Brasileira, fará a devida crítica das três ideologias políticas modernas.
Sobre o Liberalismo (a Primeira Teoria Política), dirá em sua obra supracitada:
“No caso do Estado baseado no princípio individualista, a teoria não leva em conta a existência da Sociedade como fato real e concreto, pois abstrai de uma série de fenômenos complexos que caracterizam o dinamismo social e cuja repercussão no funcionamento e no sentido da maquinaria estatal não pode deixar de ser considerada”.
E acerca dos Estados Totalitários (Comunismo e Fascismo, respectivamente a Segunda e a Terceira Teorias Políticas):
“O conceito do Estado totalitário é viciado pelo erro oposto, que consiste em eliminar a realidade irredutível representada pela personalidade humana […] atividades de caráter psicológico e de natureza material, sobre as quais o controle estatal […] quando exercido sob a pressão de imperiosos motivos de interesse coletivo, deve ser sempre muito moderado e discreto”.
Sintetiza, por por fim, apontando para uma Quarta Via:
“O estilo do Estado Novo brasileiro acha-se, portanto, imune de quaisquer contaminações das influências dos regimes totalitários, tanto comunista como fascista. Não tem, é claro, nenhum parentesco também com as formas da democracia liberal, em cujo círculo o Brasil foi detido durante mais de um século, dissociado das raízes vitalizadoras do passado nacional e, ao mesmo tempo, inibido de acompanhar o sentido do progresso humano”.
Ora, a composição entre as raízes estruturais da Nação, isto é, suas fontes tradicionais vitais, e o desenvolvimento técnico-tecnológico, em oposição simultânea, em ato, a Liberalismo, Comunismo e Fascismo, buscando algo novo e mais afim à realidade nacional, objetivamente coloca o pensamento de Azevedo Amaral na esteira de uma Quarta Teoria Política brasileira. E se o até aqui demonstrado não oferece razões suficientes para um tal deslocamento conceitual, as próprias palavras do autor não deixarão dúvida, na medida em que este advogará um paradigma autenticamente conservador para a Revolução, no diapasão da dialética Tradição/Modernidade. Em seu artigo A Revolução Brasileira, publicado no periódico getulista Cultura Política, assevera:
“No caso da revolução brasileira de 1930, o ditador investido do poder discricionário viu-se defrontado por um problema muito mais complexo que a simples defesa dos elementos vitais da tradição nacional contra a onda renovadora a cuja impetuosidade era preciso opor os diques de um conservantismo construtor”.
Conservar as raízes num processo de disrupção revolucionário que reconduza o povo, parafraseando Cassiano Ricardo, a um encontro consigo mesmo, a um retorno do “Brasil às suas fontes históricas, étnicas, econômicas e políticas”, conforme Paulo Augusto de Figueiredo. Não é precisamente isto que propõe o projeto de uma Quarta Teoria Política? A primazia do ser-aí (Dasein) de um determinado povo Histórico (Narod), que marchando enquanto Nação pertencente ao tronco de uma Civilização (Grande Espaço), vai se autodeterminando a partir dos parâmetros de sua própria Identidade ─ na mesma medida em que rejeita os imperativos pretensamente “universalistas” dos Poderes Constituídos, a saber, o Ocidente global e sua sanha por construir, a base da força, um mundo a sua imagem e semelhança.
Numa era de conflitos mundiais decisivos, na qual testemunhamos o renascimento e a afirmação de múltiplos pólos civilizacionais de poder, pensar alternativas ao modelo demo-liberal é uma questão de sobrevivência para o Brasil, sob a pena de, envolto em utopias jurídicas e em ilusões “iluministas”, perder o fio da História e acabar por irremediavelmente perder-se de si mesmo.