A Amazônia e a Questão Latino-Americana

Realizou-se há alguns dias a Cúpula da Amazônia, evento no qual presidentes e ministros dos países amazônicos (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela) se reuniram para debater os temas prementes que envolvem a floresta e como lidar com a pauta ambiental e com os desafios que ela implica.

A única coisa categoricamente positiva que podemos dizer dos diálogos realizados no evento, porém, é precisamente que eles não foram muito longe e ficaram em um âmbito mais geral. E é a conclusão que tiramos a partir de uma percepção bastante simples: todo o debate sobre o tema amazônico (e ambiental) em Nossa América está viciado e ainda não se conseguiu emplacar nos altos níveis uma visão popular e desenvolvimentista.

Aqui é importante ressaltar a importância da Amazônia.

O rio Amazonas é o maior rio de água doce do mundo, responsável pela maior bacia hidrográfica do planeta, com 7 milhões de quilômetros quadrados, o que corresponde a 20% da água doce líquida do planeta. Espalhadas pelo espaço amazônico, há reservas de ferro, manganês, cobre, alumínio, zinco, níquel, cromo, titânio, fosfato, ouro, prata, platina, paládio, diamante, ródio, estanho, tungstênio, nióbio, tântalo, zircônio, terras raras, urânio e gás natural.

E recentemente, o que tem se tornado pivô de acalorados debates entre ONGs e o governo brasileiro, especula-se sobre o potencial petrolífero da chamada Margem Equatorial, região situada entre os estados brasileiros do Amapá e Rio Grande do Norte, perto da linha do Equador, se estendendo por 2.200km ao longo da costa. Segundo especialistas, trata-se de um novo “pré-sal” no que concerne potencial econômico, o que em caso de confirmação pode colocar o Brasil no top 8 países produtores de petróleo do mundo.

Pode-se ressaltar, ademais, o interesse crescente da Big Pharma na Amazônia. A Amazônia é lida como a “maior farmácia do planeta”, havendo também uma perspectiva promissora nos setores da biotecnologia e outros correlatos.

Em todo esse cenário, assume preponderância também a questão indígena, talvez uma das mais complexas e difíceis do nosso continente. Em relação a esse tema encontrar o equilíbrio correto e justo é quase impossível.

É que entra aí a questão sobre se os remanescentes das etnias indígenas pré-colombianas possuiriam algum tipo de direito natural à reivindicação de suas terras ancestrais. A defesa dessa linha argumentativa apela à retificação dos “erros” da colonização e conquista do continente. Considerando, porém, que a história é dinâmica, o reconhecimento desses “direitos ancestrais” levaria potencialmente ao colapso das estatalidades de Nossa América, fragmentadas em mil nações.

Desnecessário dizer quem seria o maior beneficiário em tal processo: os EUA. Nisso, talvez haja um nível maior de consciência na Argentina, considerando a preocupação histórica com a Patagônia e a questão mapuche. No caso brasileiro a mobilização e conscientização em relação a esse tema é um fenômeno recente, graças ao esforço de especialistas como o mexicano Lorenzo Carrasco.

Nesse sentido, longe de uma luta pelo reconhecimento, valorização e integração do índio, a questão indígena parece ter se tornado um fator de desintegração apoiado até mesmo em narrativas raciais importadas dos EUA.

O processo, que é complexo, abarca inúmeras instituições. ONGs financiadas por governos estrangeiros ou por grandes fundações capitalistas assumem para si a “defesa” dos índios, apelando a uma perspectiva zoológica que nega aos índios a possibilidade de participação na vida nacional. Essas ONGs, com seus antropólogos estrangeiros (ou brasileiros educados no exterior), não raro “constrói” etnias e “nações” para as quais há pouca fundamentação histórica. Surgem, então, os seus “territórios ancestrais”, amplas faixas territoriais usualmente maiores que vários países europeus.

Se há já outros brasileiros nessas terras, eles são demonizados pelo consórcio midiático, mesmo quando são simplesmente índios integrados ou mestiços paupérrimos, que vivem da pesca ou da mineração ou pequenos camponeses. Na maioria dos casos, esses brasileiros das camadas mais baixas da sociedade já estão nesses supostos “territórios ancestrais” há 3 ou 4 gerações.

O Judiciário então, instado pelas ONGs, desapropria essas terras e as concede aos índios. Pelas normas brasileiras sobre “reservas indígenas”, o Estado está praticamente banido desses territórios, mas as ONGs possuem livre passagem e as “lideranças indígenas” (sempre muito fluentes em inglês) são também livres para abrir seus territórios para “visitantes estrangeiros”.

O que espanta nesse contexto não é apenas os tamanhos das reservas indígenas, em vários casos maiores que países balcânicos, para uma população indígena total de menos de 2 milhões de habitantes; mas o fato de que todas elas, sem exceção, abarcam precisamente as jazidas minerais supramencionadas e muitas delas estão posicionadas precisamente nos territórios fronteiriços do norte de nosso país, particularmente na zona de contato com as Três Guianas.

Esse é o sentido, inclusive, de duas movimentações políticas atuais em nosso país: uma sendo a CPI das ONGs, cuja finalidade é investigar a atuação de ONGs nacionais e estrangeiras na Amazônia, bem como o seu financiamento e a aplicação do dinheiro que recebem; a outra sendo o projeto do Marco Temporal, uma legislação que propõe considerar tão somente a ocupação territorial indígena a partir de 1988, data da atual Constituição Brasileira, como fundamento legítimo para reivindicações de demarcações de reservas.

As duas movimentações, naturalmente, despertam a oposição dos setores mais liberais e cosmopolitas, entre políticos, ativistas sociais, juristas, jornalistas, etc., ligados por laços ideológicos e econômicos aos interesses capitalistas internacionais. Nisso é importante ressaltar que apesar do Presidente Lula assumir uma postura favorável (pelo menos em discurso) ao desenvolvimento econômico da região amazônica (inclusive da exploração de petróleo na Margem Equatorial) há pelo menos 5 ministros em seu governo conectados em maior ou menor grau à Open Society de George Soros e outras fundações liberal-mundialistas de teor semelhante: Sônia Guajajara (Povos Indígenas), Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima), Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública), Silvio Almeida (Direitos Humanos e Cidadania) e Anielle Franco (Igualdade Racial).

Esses personagens são centrais na aproximação Brasil-EUA que se desenvolveu nos últimos 8 meses, sob o signo do multilateralismo e da recusa de uma ruptura internacional em prol da multipolaridade.

E são, precisamente, alguns dos atores principais na promoção da dessoberanização do território brasileiro em conluio com bilionários internacionais. Basta recordarmos o interesse de Jeff Bezos pela Amazônia, ou de hollywoodianos como Leonardo DiCaprio e Mark Ruffalo.

De fato, mais do que de qualquer ecologismo autêntico, que leva em consideração tanto a necessidade de um meio ambiente equilibrado quanto a necessidade de desenvolvimento e garantia do bem comum, trata-se do que poderíamos chamar de ecoglobalismo.

O Grande Capital quer superar o atual estágio de crise e estagnação do capitalismo por meio do “desbloqueio” de novas oportunidades de investimento através da financeirização dos recursos naturais comuns.

Essa financeirização se dá sob o disfarce das preocupações ambientais. Daí, por exemplo, a insistência na urgência de energias pouco eficientes, como a solar e a eólica (que, ademais, possuem alto impacto ambiental especialmente no descarte) em prejuízo da energia nuclear. A energia nuclear tende a só poder ser explorada por monopólios estatais, enquanto a solar e a eólica são mais facilmente apropriáveis por interesses privados.

Na mesma direção vai a narrativa dos “créditos de carbono”, por meio dos quais grandes empresas e países ricos seguem poluindo à vontade, enquanto transferem para os pobres o ônus da preservação ambiental. Por este esquema, a narrativa ambientalista atua bloqueando possibilidades de desenvolvimento dos países pobres, enquanto os países ricos seguem com suas políticas econômicas extrativistas.

Também deve-se mencionar aqui o conceito de “pagamento por serviços ambientais”, por meio dos quais se privatiza florestas e outros espaços naturais para empresas ou fundações, que então passam a cobrar para que os cidadãos possuam usufruir do que antes era livremente desfrutado em comum.

Várias dessas ideias são pautas contemporâneas em relação às quais há imensa pressão por parte de ONGs financiadas por bilionários.

E, na prática, foi isso que se tentou pautar na Cúpula da Amazônia. Não obstante, se atentarmos para o juízo negativo que a mídia de massa fez da Cúpula, devemos fazer o juízo inverso.

O consórcio midiático brasileiro criticou a Cúpula por não ter dado voz às ONGs (eufemisticamente chamadas de “representantes da sociedade civil”, mas ninguém nos perguntou se elas nos representam), por não terem garantido zero desmatamento e zero emissão de carbono (ou seja, zero crescimento e zero desenvolvimento), etc. Menos mal assim.

Finalizo com um dos muitos comentários pertinentes de Delcy Rodríguez, vice-presidente da Venezuela, que após criticar a terceirização das funções do Estado para as ONGs, acrescentou:

“A terceira grande ameaça são as aspirações da otanização para garantir a mercantilização da biodiversidade da bacia amazônica”.

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Raphael Machado

Advogado, ativista, tradutor, membro fundador e presidente da Nova Resistência. Um dos principais divulgadores do pensamento e obra de Alexander Dugin e de temas relacionados a Quarta Teoria Política no Brasil.

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