Atacar Dugin e o duguinismo virou ponto de encontro entre aqueles que, abertamente ou não, mantém em suas casas um altar ao deus liberalismo.
Por motivos ainda a esclarecer, Gustavo Castanõn parece ter aderido de vez a uma espécie de cruzada anti-Dugin. Há relatos de que o influenciador cirista estaria espalhando em espaços virtuais, com ares de pânico moral, uma entrevista na qual Dugin chega ao cúmulo do absurdo de dizer que, enquanto russo, prefere a “verdade russa” ao invés do circo de horrores da pós-modernidade ocidental ─ e que se o Ocidente aceita a pós-modernidade, por seus próprios critérios, deverá também validar a Rússia e as demais civilizações do mundo na afirmação de suas própria “verdades”, isto é, suas cosmovisões (valores, perspectivas, tradições, etc.).
O vídeo pode ser visto aqui e trata-se de um corte da entrevista concedida pelo filósofo ao jornalista da BBC Gabriel Gatehouse. Nela, Dugin basicamente problematiza a maneira pela qual a imprensa ocidental produz suas narrativas, via de regra a partir de um paradigma/viés russofóbico. Afirma o filósofo que, neste sentido, a verdade é relativa e diz respeito à interpretação do narrador, que irá conjugar os fatos a partir de seu ponto de enunciação.
Alguma polêmica? Não é exatamente isso que faz a máquina informacional da mídia ocidental? O que seria a invasão do Iraque sem o poder da narrativa? E os Capacetes Brancos, as supostas armas químicas de Assad, a Contra-Ofensiva Ucraniana e tudo mais? Acaso devemos esquecer do brilhante documentário A Revolução Não Será Televisionada e o quão revelador ele é nestes termos? Dugin apenas reafirma o que qualquer anti-imperialista consequente sabe sobre a função do softpower na manutenção do status quo.
Obviamente, tais afirmações não têm pretensões metafísicas ou epistemológicas. Como cristão ortodoxo, Dugin naturalmente aceita e professa, por exemplo, a universalidade do Verbo Divino. Como tradicionalista (que lê o tradicionalismo pelas lentes de sua religião), supõe a existência de Fontes Tradicionais universais informando as civilizações humanas. Seu projeto da Noomaquia consiste justamente em desvelar os logoi subjacentes às civilizações.
Mas tudo isso existe dentro de uma determinada seara de reflexão. No campo da ordem internacional, sua posição ─ que é também a posição da NR ─ assevera que cada povo deve ter o direito e autonomia para se organizar conforme suas próprias “tradições vitais”, usando a expressão de Azevedo Amaral. Tal posicionamento implica, sim, em uma relativização do que se supõe universal na arena geopolítica. Afinal, é pelo Universalismo dos Direitos Humanos que os EUA bombardeiam nações no Oriente Médio e introduzem sanções em países latino-americanos. Isto é amplamente sabido. Por isso Dugin geralmente faz menção ao “universalismo dos valores ocidentais”, que ele identifica como manifestação do etnocentrismo do Ocidente.
“[Com relação à diplomacia multipolar], devemos rejeitar imediatamente o hegemonismo ocidental, que afirma ter uma explicação universal dos principais sistemas sociais, políticos e ideológicos (com base nos critérios e padrões da própria civilização ocidental)” (Teoria do Mundo Multipolar, p. 319, Editora ARS Regia).
Percebe-se? O universalismo dos valores é pensado como uma derivação institucional do etnocentrismo ocidental. Em outras palavras, a Civilização Ocidental universaliza a si mesma com a finalidade de fazer do planeta sua colônia (material e espiritual). Tem a pretensão de construir um Império Global (d’onde vem o termo globalismo).
Como contraponto, a Multipolaridade surge como um mosaico onde o reconhecimento da diversidade dos povos é a condição de possibilidade para o diálogo inter-civilizacional. Iranianos utilizarão o Islã, chineses um confucionismo com elementos do Pensamento de Mao Tsé-Tung e brasileiros uma Democracia Popular inspirada na axiologia e na Doutrina Social da Igreja (como projetou Getúlio, os intelectuais estado-novistas, Pasqualini e os trabalhistas, entre outros). E assim por diante. Havendo alguma universalidade de valores, ela será radicalmente distinta do universalismo burguês, liberal, cosmopolita, (pós)moderno, atlantista e globalista das potências ocidentais.
Daí ser necessário, em nome da clareza e da honestidade intelectual, distinguir, como recomenda Álvaro Vieira Pinto, entre um universalismo da classe dominante versus a universalidade como o reconhecimento do Universal, só que pela perspectiva das nações. Caso contrário estaremos simplesmente fazendo coro com a hegemonia ocidental, cujos órgãos deliberativos (como a ONU), escorados em uma suposta tábua universal de valores, crêem-se superiores aos Estados Nacionais.
Ou identitarismo tribalista ou universalismo liberal: eis um exemplo típico da clássica falácia retórica conhecida como falsa dicotomia. Não é preciso cair nestas polaridades. Entre uma e outra há uma terceira via: o perspectivismo multipolar.
Como nacionalistas brasileiros, devemos rejeitar a pretensão de universalidade da Civilização Ocidental e construir nossa própria perspectiva nacional sobre o mundo. Aceitar passivamente o universalismo ocidental conduzirá o Brasil à ruína civilizacional e ao desligamento de si mesmo. “A prerrogativa de universalidade, não sendo desafiada ou posta em dúvida, é poderoso preventivo contra qualquer surto de pensar autônomo, por parte dos grupos dominados”, diz Álvaro Vieira Pinto, dono da bela passagem a seguir, com que encerro esta nota:
“Até aqui sempre procuramos ver o Brasil na perspectiva mundial, agora devemos ver o mundo na perspectiva brasileira”.