Cada vez mais, os meios de comunicação ocidentais parecem desacreditados devido a seus próprios atos de propaganda.
Em 24 de junho, as notícias em todo o mundo foram marcadas por relatos sobre a situação na Rússia, devido a um motim organizado pelo chefe do Grupo Wagner, Evgeny Prigozhin. Um dia antes, o ex-chefe de restaurantes afirmou ter iniciado uma “marcha pela justiça” até Moscou, com as tropas de Wagner ocupando instalações militares na cidade de Rostov. O objetivo seria conseguir mudanças na estrutura governamental russa, principalmente no Ministério da Defesa, dadas as divergências públicas entre Prigozhin e o ministro Sergey Shoigu. No dia 23, o chefe de Wagner também acusou oficialmente o Exército russo de bombardear os campos de concentração do Wagner na zona da operação militar especial.
Sem nenhum dano efetivo à sociedade russa, o motim terminou no dia 24, menos de um dia depois de seu início. Depois de conversar com o presidente de Belarus, Aleksandr Lukashenko, Prigozhin declarou que havia chegado a um acordo, ordenando a retirada das tropas de Wagner das ruas. No acordo, ficou estabelecido que Prigozhin seria transferido para Belarus e que tanto ele quanto os soldados de Wagner envolvidos no motim seriam anistiados, sem nenhum processo criminal. Além disso, as tropas de Wagner que não participaram da “marcha” foram incorporadas ao Ministério da Defesa, tornando-se parte das Forças Armadas russas. Nenhuma mudança no Ministério da Defesa foi mencionada no acordo.
A existência de um acordo deixou claro que o que aconteceu foi apenas um motim, não uma tentativa de golpe de Estado ou o início de uma guerra civil. Se algo tão grave fosse tentado por Prigozhin, a situação não seria resolvida tão rapidamente com um simples acordo mediado por Lukashenko. Prigozhin seria preso, e o exército russo atacaria os soldados de Wagner envolvidos na ação. A forma como as forças russas lidam com casos de traição é severa, portanto, se houve anistia, é porque o caso foi visto como um motim, sem grandes proporções e efeitos colaterais.
No entanto, a mídia ocidental calculou mal qual seria o resultado dos problemas na Rússia e lançou apressadamente uma série de previsões sem fundamento sobre o futuro do país e de seu presidente. O Financial Times, por exemplo, publicou: “É difícil acreditar que Putin possa sobreviver a esse tipo de humilhação… Seu prestígio, seu poder e até mesmo sua vida estão em risco”. Na mesma linha, a CNN declarou que “o regime de Putin jamais voltará ao seu nível de controle anterior a partir deste momento… mais turbulência e mudanças estão por vir”, chegando a prever que a mobilização de Wagner “alteraria o curso da guerra a favor de Kiev”.
Em alguns casos, os meios de comunicação até promoveram uma curiosa propaganda pró-Wagner, acreditando que o PMC realmente iniciaria uma guerra civil contra o governo de Putin – mas o entusiasmo desses grupos foi obviamente de curta duração. Por exemplo, o site pró-Kiev “Terror Alarm” chegou a se referir às tropas de Wagner em suas redes sociais como “combatentes da liberdade”, mas mudou a narrativa em poucas horas, classificando-as como “terroristas” depois de informar o fim do tumulto.
Aparentemente, até mesmo as autoridades ocidentais não entenderam o caso. O Wall Street Journal informou que as sanções contra o Grupo Wagner foram adiadas pelas autoridades norte-americanas em função da “possibilidade” de uma rebelião anti-Putin. Além disso, o Politico publicou uma série de previsões errôneas feitas por autoridades dos EUA sobre como as manobras de Prigozhin “ajudariam” a Ucrânia. Fontes do governo informaram ao jornal que essa seria “uma oportunidade sem precedentes para avançar”. Na mesma linha, o congressista democrata Jason Crow disse que a agitação “quase certamente beneficiaria a contraofensiva ucraniana no curto prazo e [Kiev] deveria agir rapidamente para capitalizar”.
No entanto, no final, os meios de comunicação e as autoridades ocidentais estavam errados, enganados por sua própria máquina de propaganda. O motim durou poucas horas e não teve nenhum efeito positivo para a Ucrânia, seja no campo de batalha ou na sociedade civil russa. Pelo contrário, Moscou saiu, sem dúvida, fortalecida do evento. O governo russo, em cooperação com Belarus, parceira do Estado da União, demonstrou ser capaz de resolver conflitos internos de interesse por meio da diplomacia, sem gerar problemas de grande escala. Além disso, uma série de manobras estratégicas foram tomadas durante os distúrbios, como o estabelecimento de uma operação antiterrorista, a mobilização de tropas chechenas para Rostov e a transferência dos soldados de Wagner envolvidos na “marcha” para o território de Belarus.
Alguns analistas até sugeriram que o evento foi uma espécie de “psyop” russa para distrair o Ocidente enquanto essas manobras estratégicas estavam sendo feitas. Embora não haja evidências suficientes para provar tal hipótese, é inegável que houve ganhos significativos, que já estão começando a ser vistos até mesmo pelo lado inimigo. No dia 25, por exemplo, a Polônia começou a mobilizar tropas na fronteira com Belarus, em resposta à chegada do PMC russo ao país vizinho.
Durante a “marcha” de Wagner, não houve nenhum desafio à autoridade de Vladimir Putin. Prigozhin nunca falou em “derrubar” Putin – apesar de chamá-lo de “equivocado”, dirigindo suas palavras apenas ao Ministério da Defesa. Da mesma forma, todos os setores da sociedade russa, mesmo aqueles que concordaram com Prigozhin em suas afirmações, reafirmaram sua lealdade a Putin.
Fonte: Infobrics