Existe apenas uma hegemonia. A hegemonia é o capitalismo, a sociedade capitalista ocidental moderna. Mas o capitalismo não se transforma imediatamente em hegemonia. O que o transforma em hegemonia? A lógica interna da própria hegemonia.
O capitalismo entra no estágio de hegemonia em um determinado marco, quando o universal, que está em sua própria estrutura, começa a prevalecer sobre as questões nacionais individuais. Há apenas uma hegemonia, ela é universal e surge em todas as esferas da vida. Ao se tornar explícita, ela começa a abolir os estados-nação e a subjugá-los completamente.
O que vimos na globalização da década de 1990, que Gramsci não viveu para ver, foi um mundo unipolar que começou a tomar forma, e aí está a hegemonia. A hegemonia não se manifestou imediatamente, ela sempre esteve contida no capitalismo, em sua luta pela universalização. Mas o capitalismo atingiu o estágio globalista em um determinado período histórico, quando a dominação do Ocidente capitalista sobre todas as outras alternativas se tornou explícita e historicamente afirmada. Esse foi o momento em que a hegemonia se tornou ela mesma.
Portanto, as ideias de Gramsci se tornaram verdadeiramente agudas precisamente após o colapso da União Soviética, com o qual todos se convenceram de que o conceito de hegemonia era o conceito mais eficaz. Ao descrever a hegemonia, ele estava descrevendo o mundo dos anos 90: uma era de hegemonia, um mundo unipolar em que a democracia política liberal, a economia capitalista, os sistemas políticos de parlamentarismo eleitoral, a cultura tecnocêntrica, a liberdade de abrir redes — tudo isso começou a penetrar em todas as sociedades.
E o que a hegemonia faz? Ela abre e quebra as estruturas nacionais. Kamala Harris chega e destrói o defensor selvagem da soberania. Por quê? Porque a hegemonia não pode ser combatida dentro da própria hegemonia. Porque o estágio anterior — a hegemonia representada pelo nacionalismo, soberania e estado-nação — faz parte da mesma hegemonia. Ela faz parte do passado, e a hegemonia global é o futuro, para onde somos atraídos por todas as forças.
A hegemonia é uma estrutura “hacker” que ataca o inimigo, procurando pontos fracos em seu sistema de defesa e, ao penetrar, já o decompõe por dentro. Dessa forma, um estado-nação que aceita parcialmente a hegemonia torna-se completamente vulnerável, permeável a ela, o que acaba levando à sua absorção.
A hegemonia funciona de maneira sofisticada. Ela invade Estados que não têm armas nucleares por meio da força militar. Ela chega aos Estados que têm algum tipo de administração nacional por meio da cultura. Ela penetra em países que possuem armas nucleares por meio de redes e finanças. Ela penetra na civilização chinesa por meio do liberalismo, começando pelas zonas costeiras.
A hegemonia é um aditivo bolorento que se espalha por meio da mídia, da Internet, dos empréstimos bancários, da educação, da escola, da família, de todas as formas de conexão; por meio de restaurantes, assistindo a filmes, participando do processo político moderno. Todas essas são formas de algum tipo de ação hegemônica, que, a rigor, não são intrínsecas ao homem em princípio. A hegemonia ajusta a estrutura do comportamento humano, incentivando-o a fazer o que não faz sentido do seu ponto de vista, mas faz sentido do ponto de vista desse bolor.
Hegemonia não é arbitrariedade; é a lógica do processo histórico da era moderna. E o Estado-nação não é uma alternativa à hegemonia — é apenas um obstáculo temporário, e esse Estado-nação declara a constituição, os direitos humanos, a forma capitalista de produção, a democracia liberal, as eleições e, culturalmente, envia seus representantes ao Eurovision. Do ponto de vista de Gramsci, eliminar essa formação é apenas uma questão de tempo.
Fonte: Dzen
Tradução: Augusto Fleck