O camarada Lucas Leiroz concedeu entrevista exclusiva para a revista argentina Trama Internacional, abordando o governo Lula e o futuro do Brasil.
Por Tadeo Casteglione
Pessoalmente, considero extremamente importante conhecer e entender a situação atual do Brasil, cujo destino molda o panorama regional para melhor ou para pior, não só na América do Sul, mas em toda a América Latina.
Analisar o que está acontecendo no Brasil com um olhar crítico e realista nos permite chegar mais perto da realidade.
Para entender melhor a situação atual do Brasil, agradecemos a seguinte entrevista concedida pelo colega brasileiro Lucas Leiroz, colunista do InfoBRICS, CGTN, colaborador da rádio Sputnik e membro da Nova Resistência.
1) O Brasil é de longe o principal motor econômico regional, sendo sua estabilidade extremamente importante para os países vizinhos, principalmente Argentina, Paraguai e Uruguai. Que medidas brasileiras garantiriam essa estabilidade regional?
O Brasil vem experimentando há décadas um profundo processo de desindustrialização, que se agravou de forma particularmente intensa após a Operação Lava-Jata. Atualmente, 80% do PIB brasileiro corresponde ao agronegócio. Somos um país essencialmente agrário e exportador de itens primários. Mesmo a agroindústria brasileira está enfraquecida, havendo forte centralidade da exportação in natura, com itens primários cuja agregação de valor se dá nos países importadores.
O principal problema, porém, é que até mesmo a agropecuária brasileira está fortemente ameaçada. Com o avanço da agenda ambientalista no governo Lula, indícios claros de uma forte campanha de ataque ao agronegócio já começam a ser vistas. Há um alinhamento progressivo do Brasil coma agenda eco-capitalista de Davos e o crescimento exponencial de uma campanha interna pelo escrutínio do agronegócio, o que pode levar a uma espécie “Nova Lava Jato” – desta vez contra os fazendeiros.
Ou seja, nossa economia, apesar de ainda continuar cumprindo papel de pilar regional, está enfraquecida e ameaçada. Não vejo o futuro econômico brasileiro com muito otimismo, a não ser que mudanças estruturais aconteçam no curto/médio prazo. Algumas destas medidas seriam: reestatização de todas as empresas estratégicas recentemente privatizadas; nacionalização e desdolarização de todo o setor de petróleo e energia; investimento na indústria pesada sob forte dirigismo estatal e; administração estratégica do agronegócio, levando em contra as necessidades de abastecimento interno e cooperação com parceiros emergentes e intra-BRICS.
2) Lembro-me há algum tempo de ouvir de Aleksandr Duguin mencionar que o Brasil desempenha um papel importante na região como o “heartland” continental frente ao mundo multipolar. Qual é mesmo a importância estratégica do Brasil?
Abrigando a maior parte da Floresta Amazônica, um litoral gigantesco e diversos biomas com os mais nobres recursos naturais, a importância geoestratégica do Brasil é bastante evidente. A analogia com a figura do Heartland é genial e engloba perfeitamente as nuances da centralidade do Brasil como coração de um Grande Espaço transcontinental. Não à toa sempre houve grande ambição por parte dos Estados Unidos da América em manter por aqui governos aliados ou controlados, para evitar guinadas políticas que pusessem em risco toda a situação política da Ibero-América.
Então, penso que aquele que domina o Brasil domina em seguida todo o entorno estratégico brasileiro (Américas do Sul e Central, Antártica e África Ocidental). E, considerando a dimensão do bioma amazônico e sua proporção relativa ao território nacional (59%), vejo que é a Amazônia o foco de atenção no que concerne ao Brasil. Dominando a Amazônia, se domina o Brasil – e dominando o Brasil se domina o entorno estratégico brasileiro.
O Brasil foi muito negligente com a integração amazônica ao longo de sua história. E agora sofre as consequências disso. Temos ameaças intervencionistas e separatistas na região que colocam em risco toda a segurança nacional. Nossos inimigos perceberam a importância estratégica da Amazônia e do Brasil antes de nossas próprias autoridades. E isso é um problema.
3) Nos últimos tempos, com a mudança de governo no Brasil e a total polarização da sociedade, tudo parece caminhar para uma situação bastante complicada, qual é a sua visão da atual realidade política brasileira?
A sociedade brasileira está extremamente polarizada. Não é um exagero dizer que estamos em um atmosfera pré-guerra civil. E isto é exatamente o que nossos inimigos querem: brasileiros desunidos, odiando uns aos outros e incapazes de se unir em prol de um projeto nacional coeso.
O resultado de um país dividido é que fica mais fácil de ser dominado por agentes internacionais. Hoje, o Brasil está polarizado em dois grupos. Um “conservador”, sionista e “anticomunista” e outro progressista, pró-Grande Reset, “antifascista” e globalista. O primeiro está alinhado com os Republicanos americanos e a facção de Netanyahu em Isael – e tem Jair Bolsonaro como principal líder. O outro está alinhado com os Democratas, a União Europeia e o Fórum Econômico Mundial – e atualmente tem Lula como principal representante. Nenhum dos dois lados representa o Brasil, apenas auxiliam na dialética e oscilação de poder que garante o domínio estrangeiro sobre nosso país.
4) Muitas pessoas no mundo têm uma imagem do Lula histórico que muitas vezes não condiz com o Lula real de hoje. Que interesses o Lula representa hoje?
Lula é simplesmente o atual representante brasileiro dos interesses globalistas. Ele é empregado de Davos, de Biden e da União Europeia. Não há porque tentar esconder isso.
De fato, muitos pensam naquele Lula de 2002 e 2006, que também não era nada além de um neoliberal assistencialista, mas que pelo menos tinha uma política externa interessante. Agora, nem isso existe mais.
Lula voltou com uma agenda extremamente pró-Davos, com um liberalismo de esquerda avançado. Ele obviamente não pode romper com os BRICS – como seus patrões atuais queriam -, mas pode retardar o atual processo de multipolarização geopolítica. E ele vai fazer isso.
O Brasil atualmente atua de forma desestabilizadora nos BRICS. Rússia e China querem romper com o Ocidente. Então, Lula tentará impedir isso. A função dele é manter o bloco como mero grupo de cooperação econômica multilateral, sem avançar para a cooperação política rumo à Multipolaridade.
Sobre os motivos que levaram Lula a mudar de forma tão radical, eu acredito que tenha a ver com quem o colocou na prisão. Quem o prendeu também o soltou. Não havia motivos para colocar Lula na cadeia. E depois de ter sido preso não havia motivos para anular seu processo judicial. Tudo ocorreu de forma muito estranha.
Na minha opinião, ele foi coagido por agentes internacionais a aderir a algumas agendas anti-brasileiras. Estes agentes usaram a força do Estado brasileiro para coagi-lo. Então, ele voltou, mas voltou defendendo os interesses daqueles que o prejudicaram no passado.
5) Infelizmente, a opinião pública e a sociedade em geral ignoram a importância geoestratégica da Amazônia e vimos como há profundo interesse por parte dos países ocidentais (França) em colocar as mãos nesta região. O que a significaria para o Brasil e América do Sul – internacionalização da Amazônia?
Conforme introduzi em uma questão anterior, a Amazônia corresponde à maior parte do território nacional. Dominá-la significa dominar o Brasil por consequência – e dominar o Brasil resulta em um passo largo rumo à dominação das Américas do Sul e Central, da Antártica e da África ocidental. Por isso as elites mundiais querem tanto a Amazônia. O intuito deles é conquistar esse Grande Espaço transcontinental que o Brasil ocupa.
Para avançar este projeto, as elites globalistas contam com duas agendas centrais: a ambiental/climática e a identitária/étnica. No Brasil eles investem na narrativa de desmatamento desenfreado e desrespeito aos povos indígenas.
Obviamente, temos problemas – como todos os países. Há crimes e abusos sendo cometidos aqui, assim como há em qualquer outro lugar. Mas nada está fora de controle. Não há desmatamento desenfreado na Amazônia. O agronegócio brasileiro tem o Cerrado como bioma-base de produção, não a Amazônia. Além disso, não há qualquer genocídio indígena. Pelo contrário, somos um exemplo mundial de respeito aos povos originários. Temos etnias inteiras preservadas, falando suas línguas antigas e mantendo suas tradições com todo o amparo do Estado brasileiro e proteção das Forças Armadas.
Mas para as elites globalista não interessa a verdade, apenas a narrativa farsante como instrumento para o progresso de suas agendas perversas. Ninguém quer preservar a natureza ou proteger os índios – em verdade, querem a internacionalização da Amazônia, que significaria simplesmente tirar do Brasil quase 60% de seu território e colocá-lo sob gestão internacional, vulnerável aos grandes conglomerados privados e potências ocidentais.
Na prática, a internacionalização da Amazônia seria a dissolução do Estado brasileiro. Seria a balcanização do nosso país. E isso atende aos interesses daquelas elites e governos que querem dissolver grandes Estados emergentes com potencial geopolítico.
6) Durante a reunião do Fórum de Davos em 2023, vimos a participação ativa do Ministro da Economia e Meio Ambiente do Brasil. O que está por trás disso?
Isso é apenas um sintoma do quanto o governo Lula está alinhado à agenda eco-capitalista de Davos. Estes Ministros mostraram que não há dúvidas de que o time de Lula está comprometido com os interesses das elites globalistas. Eles trabalharão pela internacionalização da Amazônia, pelo enfraquecimento do agronegócio e pelo progressismo moral e político.
Infelizmente, não há qualquer sinal de respeito ao Brasil no governo atual. Lula está acompanhado de uma miríade de pessoas que odeiam o Brasil e o povo brasileiro – e que querem fazer de nosso país uma colônia do Fórum Econômico Mundial.
7) Qual o papel e a importância do Brasil dentro dos BRICS?
O Brasil, por suas proporções geográficas e potencial produtivo, tem por destino ocupar, em algum momento, uma posição entre as cinco maiores potências mundiais. O importante pensador geopolítico brasileiro, professor da Escola Superior de Guerra e meu amigo pessoal Guilherme Sandoval Góes aponta este destino como imperativo categórico da ideologia geopolítica brasileira.
A lástima é que nossos governantes não pensam assim. Até Lula em seus melhores momentos nos mandatos anteriores sempre viu os BRICS como uma mera plataforma econômica, focada em avançar um multilateralismo centrado na ONU. E isso é muito pouco – tanto para o Brasil quanto para os parceiros de bloco.
Os BRICS estão atualmente na fronteira entre o mero multilateralismo e a Multipolaridade geopolítica. Rússia e China deixam cada vez mais claro que querem construir uma Nova Civilização. A Índia caminha na mesma direção – e a África do Sul só não dá saltos tão altos porque sua realidade material ainda não lhe permite. O Brasil, por outro lado, deliberadamente escolhe uma posição desestabilizadora no bloco à medida que não toma decisões de Estado condizentes com o interesse de ocupar um papel relevante na geopolítica internacional.
Em verdade, penso que os BRICS têm potencial suficiente para ser uma “nova ONU” – para isso, basta que todos os membros saibam agir em sinfonia e com perfeita simetria de interesses. E o Brasil tem atrapalhado isso.
Vejo o Brasil como aquele que pode dentro dos BRICS dizer “Chegou a hora, vamos construir o Mundo Multipolar!”, mas que, em vez disso, diz: “Melhor esperar mais; ainda dá para conciliar com o Ocidente; não precisamos romper com a unipolaridade americana!”. É lamentável.
8) Ao observar o cenário geopolítico mundial, entendemos que vivemos tempos de transformações e mudanças importantes, o que você acha mais importante levar em conta?
Penso que 2022, com a Operação Militar Especial russa na Ucrânia e a união global das nações emergentes para rejeitar as sanções ocidentais, foi o ano de nascimento do Mundo Multipolar. Este nascimento ainda está na fase das dores de parto (guerra, crise, tensões etc), mas tudo tende a melhorar, caso haja cooperação real entre os países emergentes para superar a fase unipolar da história humana.
O Brasil ainda não entendeu isso. Ainda não percebeu o momento geopolítico interessantíssimo que está atravessando. E por isso perde oportunidade de desenvolvimento. Nossos políticos não parecem atentos ao que está acontecendo no mundo. Ou, se estão atentos, parecem não entender o suficiente de geopolítica para perceber a necessidade do Brasil se impor como um império regional em seu Grande Espaço estratégico.
Somos nós que perdemos com isso, porque o mundo não vai parar por causa do Brasil. A Multipolaridade chegou. Rússia, China e Índia estão buscando o que lhes pertence. Nós estamos ficando para trás. Talvez tenhamos que esperar uma nova quebra de paradigma no futuro para conquistar aquilo que estamos desperdiçando agora.
9) É comum que as pessoas na América Latina, principalmente em países mais centrais como México, Brasil ou Argentina, acreditem que fazem parte da sociedade “ocidental”, perdendo assim sua verdadeira identidade. Por que isso acontece?
Creio que se deva a uma confusão do que é “Ocidente” em termos geográficos e o que é “Ocidente” em termos geopolíticos e civilizacionais.
Estamos à oeste do centro da terra, de fato, mas não participamos nem da civilização moderna-iluminista (Ocidente civilizacional) nem do conjunto de países capitalistas ricos (Ocidente geopolítico). Estas distinções deveriam ser aprendidas no ensino primário.
Aliás, penso que conceitos elementares de Geopolítica deveriam ser ensinados nas escolas, porque é dever de todo cidadão entender o básico de assuntos estratégicos. Não é uma ciência de exclusividade militar. Todo cidadão deve saber o papel que ocupa como defensor de sua Pátria, de sua Civilização e de sua Cultura.
Quando isto não é ensinado, o resultado é o que vemos hoje em dia: latinos católicos querendo alinhamento com EUA e Europa porque acham que assim estarão defendendo os interesses de sua civilização, quando estarão apenas ajudando as pautas globalistas, que nada mais são do que os interesses da tal Civilização Ocidental.
10) O Ocidente coletivo está em um momento de “visagra” e pela primeira vez em muito tempo mostra sua fraqueza na arena internacional. Qual deve ser a resposta regional para alcançar sua posição em nível global?
O caminho é o Internacionalismo Nacionalista, i.e., a cooperação internacional e inter-regional para a construção do Mundo Multipolar. O Ocidente não tem futuro e todo o ordenamento construído por ele cairá em breve. Nos resta pavimentar o caminho que levará à nossa emancipação.
Não há meios para salvar o Ocidente. Até é possível retardar seu fim, mas isso não é de nosso interesse. Para os povos livres e nações emergentes, a única resposta possível à decadência do Ocidente é acelerar a construção da ordem mundial que sepultará de uma vez por todas o sonho liberal-kantiano.
Fonte: Trama Internacional