Os liberais insistem constantemente que o Estado e o investimento público não contribuem (ou até prejudicam) o desenvolvimento e a redução da pobreza. Mas o que diz a teoria econômica sobre isso? O que estudos na área com dados de diversos países mostraram? Deivid Jorge comenta sobre estes pontos no presente artigo.
A discussão no Brasil sobre a revogação ou permanência do “teto de gastos” (sendo aventada até sua flexibilização) trouxe à tona o debate sobre o combate à pobreza no Brasil. Nenhuma surpresa, uma vez que espanta o grau de carestia pela qual passa grande parte da população mais pobre.
Alguns números:
Segundo dados do IBGE constantes no gráfico abaixo, retirado da Revista Conjuntura Econômica FGV, a extrema pobreza atingiu cerca de 10% da população, recuando 14 anos (próximo do que foi visto em 2007/2008) e tendo crescimento constante desde 2014.
Além disso, causa revolta o fato de brasileiros passando fome: 33 milhões de brasileiros, segundo dados do “Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil”, além de 58,7% da população conviver com algum grau de insegurança alimentar, conforme quadro abaixo.
O discurso liberal, diante desses números, manobra sua narrativa para preservar o teto de gastos a todo custo, restringindo a atuação estatal à política de transferência de renda (Auxilio Brasil/Bolsa Família).
Isto é, eles até abrem mão de que o novo governo permaneça com programas de transferência de renda, mas nada de ir além.
Isso quando não fazem chantagens como acabar com o Abono Salarial (que beneficia os trabalhadores) ou o Regime do Simples Nacional, que contempla os pequenos e médios empresários.
★★★
Mas se queremos combater a pobreza – e os liberais, supostamente, concordam com esse objetivo –, por que não defender o investimento em infraestrutura, ainda mais quando há uma ampla literatura econômica a respeito dos benefícios do investimento em infraestrutura (transporte, saúde, energia, saneamento e comunicação) na redução da pobreza?
Como consideração teórica, a literatura econômica mostra uma relação inversa entre infraestrutura e pobreza, isto é, investimento em infraestrutura reduz a pobreza. Isto porque a infraestrutura atuaria em dois canais: expansão de serviços básicos trazendo mais empregos e renda para os mais pobres, possibilitando acesso destes a mercados locais (direto) e ao aumentar a produtividade e impulsionar a atividade econômica, acaba-se por gerar um ciclo virtuoso de crescimento econômico e geração de renda, reduzindo assim a pobreza (indireto).
Afora a ação sobre os aspecto não monetários da pobreza, como apontado pelo professor Afeikhena Jerome (Conselheiro Especial da União Africana) em artigo de 2011, como melhoria na saúde, educação, nutrição e coesão social.
Deste modo, trago alguns artigos da literatura econômica sobre a relação entre infraestrutura e pobreza:
Jacoby (1998), estudando o caso do Nepal entre 1995 e 1996 constatou, através de estimativa não-paramétrica, que o investimento em rodovias no país (possibilitando acesso aos mercados locais pelos mais pobres) trazia benefícios médios para as famílias mais pobres, contribuindo para a redução da pobreza.
As descobertas para o Nepal sugerem que fornecer amplo acesso rodoviário aos mercados traria benefícios substanciais, em média, muitos deles indo para as famílias pobres.”
Balisacan, Pernia e Asra (2002), estudando a relação em províncias das Filipinas através de dados em painel, constatou que fatores (atuando de modo complementar) como infraestrutura, educação, reforma agrária e termos de troca foram fundamentais para o aumento do bem estar dos mais pobres, abaixo o quadro fazendo uma análise por quintis de renda:
Datt e Ravallion (1998), analisam para a Índia em nível estadual no período 1957-91, modelando a evolução para as várias medidas de pobreza, as diferenças nas taxas de pobreza entre a índia da década de 60 e 90, onde a redução desse indicador são atribuídos a fatores como infraestrutura e recursos humanos. Salientam que os estados que começaram melhor nesses indicadores tiveram uma redução da pobreza mais significativa no longo prazo.
Torero, Escobal e Saavedra (2001), no livro que analisa o retrato da pobreza na América Latina, mostra através de modelos econométricos, a importância que variáveis como acesso a crédito, propriedade de ativos e acesso a serviços públicos tem na redução da pobreza:
(…) No caso peruano, o estudo mostra a importância de variáveis como educação e tamanho da família para classificar a situação de pobreza de uma pessoa através da análise de modelos probit e regressões de gastos. A análise também confirma que acesso a crédito e posse de ativos que podem ser usados como garantia têm um efeito positivo nos gastos e na probabilidade de não ser pobre. Finalmente, evidências estatísticas mostraram um impacto semelhante de variáveis de capital público e organizacional, como participação em organizações e acesso a serviços públicos básicos, como água, esgoto, eletricidade e telefone. A esse respeito, a análise empírica é consistente com a visão de que a falta de acesso a certos ativos essenciais, que geram renda suficiente para empréstimos para uma parte da população, fundamenta o problema da pobreza”.
Embora a literatura seja escassa para o Brasil, há trabalhos que também investigam essa relação. Por exemplo, em um estudo realizado por professores das Universidades Federais de Viçosa e São João Del Rei, utilizando modelo de equações simultâneas, eles comprovam a eficiência dos gastos públicos em educação, saúde, estradas e energia quanto à melhora do capital humano e físico no país, impactando na redução da pobreza.
Outro estudo, realizado por um professor da Universidade Federal do Ceará, utilizando um modelo para dados em painel dinâmico, estimado pelo método de momentos generalizados-sistema (MMG-S) em dois passos, detectaram uma relação bastante significativa entre investimento em infraestrutura em setores estratégicos da economia (transporte, energia, comunicação, saúde e saneamento) e redução da pobreza, conforme o quadro abaixo.
★★★
Se o objetivo é combater a pobreza, não há porque se contrapor a investimentos em infraestrutura, já que há uma ampla literatura apoiando a relação inversa que esse tem com a pobreza. Fora que a infraestrutura no Brasil é ridícula, prejudica a nossa produtividade e afugenta empresas do país, como o caso emblemático e recente da Ford.
Isso só se sustenta com base no mote: “acabou o dinheiro”, fundamentado numa visão equivocada sobre as finanças públicas, que mistura orçamento doméstico com orçamento público.