As eleições presidenciais francesas expõem o aprofundamento das clivagens sociais do país.
Em primeiro lugar, é digno de nota que 52% dos votos válidos foram dados a candidatos que se apresentavam como “anti-sistema” (Le Pen, Mélenchon e Zemmour). Isso significa que o francês possui, hoje, uma predisposição para certo nível de populismo, soberanismo e antiliberalismo, ainda que bastante incerto e ad hoc.
O anticomunismo e o antifascismo ainda afetam as decisões eleitorais de boa parte do eleitor francês. E vemos isso nas transferências de voto para o 2º turno. 18% dos eleitores de Mélenchon votaram em Le Pen no 2º turno (41% foram de Macron). Porém, é interessantemente: 41% dos que se consideram “mais próximos” ao France Insoumise (partido de Mélenchon) foram de Le Pen no 2º turno. 43% dos que se consideram de “extrema-esquerda” foram de Le Pen no 2º turno (ela levou também 53% dos “nem esquerda nem direita”).
A diferença para a transferência específica de Mélenchon talvez possa ser explicada pelo fato, inusitado, de que o eleitor de protesto, o “sem partido”, votou no Mélenchon, mas não em Le Pen, enquanto os mais “ideológicos” votaram na Le Pen. Peculiar.
Macron concentrou os votos das faixas etárias 18-24 e > 60. Ou seja tanto os jovens sustentados pelos pais e abobalhados como os aposentados neuróticos com o gaullismo (e que não ligam para seus filhos não se aposentarem, ao contrário). Já Le Pen levou a faixa entre 25 e 59, ou seja, a população efetivamente ativa.
Imensa clivagem profissional: funcionários do governo e dos setores de serviços foram de Macron, operários (67%!), autônomos e empresários-trabalhadores foram de Le Pen. 65% dos desempregados foram de Le Pen.
Na renda, quem ganha menos de 1.250 euros foi de Le Pen, enquanto as faixas salariais mais elevadas foram de Macron; e quanto maior o salário, maior a propensão a votar Macron. De fato, entre os que se consideram desprivilegiados ou parte das classes populares, Le Pen levou os votos (65% e 56% respectivamente).
Curiosamente, Macron levou a maior parte do voto católico, tanto o praticante como o não praticante (ainda que, neste último, tenha havido empate técnico entre os dois). Ou seja, a religião não entrou em questão nas eleições.
Geograficamente, Le Pen foi a favorita das cidades com menos de 100 mil habitantes. Desnecessário dizer, em Paris ela levou menos de 20% dos votos. Do outro lado, Le Pen carregou tranquilamente as províncias ultramarinas, majoritariamente negras e mestiças, como Guiana, Guadalupe, Martinica, todas com 60% para cima, mas também Reunião, Maiote e ilhas menores. Le Pen também levou a Córsega.
Em suma, confirmando previsões e reforçando tendências de 2017, o embate político na França se dá entre França Metropolitana e França Profunda; entre provincianos, descamisados, proletários e desempregados contra jovens urbanos, classe média-alta e aposentados alienados. É um conflito entre os vencedores da globalização e os derrotados da globalização. Esse conflito, com essas divisões, tende a se repetir em vários outros países do Primeiro e Terceiro Mundos.