Cuba e Haiti têm enfrentado tentativas de desestabilização no último mês. Como não há coincidências na geopolítica, é necessário investigar as conexões entre as recentes dificuldades dos países caribenhos e a atuação de ONGs, empresas privadas e agentes do governo dos EUA.
É a aplicação das novas formas de guerra testadas pelos Estados Unidos, o Pentágono e a CIA nos países da Ásia Central, do Oriente Médio e do Norte da África, trazidas ao “quintal” latino-americano pela “ameaça” representada pela Rússia e pela China, cada vez mais presentes no mundo multipolar que se abre no novo século XXI.
Porque as mobilizações violentas procuram “fraturar” os povos através de protestos de rua, que são parte de uma “trama generalizada e violenta”, com revoltas cidadãs perfeitamente orquestradas pela propaganda da grande mídia, a fim de finalmente perpetrar “golpes de Estado” e derrubar governos por capricho de Washington.
É uma forma de guerra, uma estratégia aplicada sob a forma de “revoluções coloridas”, articuladas através de manifestações de rua de jovens, como as que irromperam no mundo árabe em 2010, da Tunísia ao Iêmen, passando pela Argélia, Jordânia e Egito; evento também conhecido como “Primavera Árabe”, que também passou pela Europa Central e chegou à América Latina.
O “complemento” dessa logística envolve o conluio de ONGs bem pagas, da mídia, que se encarrega de articular notícias falsas para desacreditar os governantes que são alvo do golpismo com “apoio cidadão”, bem como os think-tanks que estão prontos para “financiar” os negócios dos “despojos de guerra”, ou para tomar conta de todo um país com recursos naturais nas mãos de marionetes.
Um processo que se faz passar por “legítimo” porque parece ter como suporte o apoio “popular” ou “de massa”, pois é a sociedade que o exige; entretanto, a participação de grupos infiltrados bem remunerados faz parecer que eles fazem parte da inconformidade social generalizada que exige uma mudança de governo.
É assim que tanto os “ditadores” que restringem as liberdades das pessoas, ou que violam os direitos humanos das pessoas, ou os líderes que se perpetuam no poder, caem; independentemente, é claro, de serem legitimamente eleitos presidentes, e sob os termos do sistema político de seu país.
As bandeiras dos agitadores que finalmente promovem as demandas e os participantes mobilizados as tornam suas, também são justificadas em preceitos gerais – que não admitem rejeição, mas são mal utilizadas – como “liberdade” ou “democracia”, entre outras justificações como o direito à vida, à ecologia, etc.
O golpismo camuflado
A descrição acima pode muito bem se aplicar a qualquer um dos países-alvo, dados os recentes eventos em vários países latino-americanos, como Equador, Bolívia, Honduras, Venezuela, Paraguai e, recentemente, Nicarágua e Cuba. Anteriormente, no Brasil, houve os protestos golpistas contra o PT em 2013.
É claro que, mesmo quando o povo toma consciência das artimanhas do golpe, ele se arrepende, e não raro é tarde demais, porque os governos “impostos” pela direita passaram a atacar tudo que foi cimentado pelos governos “populares” ou “nacionalistas” que foram derrubados.
Tanto que o primeiro parágrafo é uma paráfrase das palavras do atual presidente cubano Miguel Díaz-Canel, depois do que aconteceu apenas no fim de semana anterior (11 de julho), com todos os últimos eventos.
De volta à Venezuela, a mobilização que tentou derrubar o então presidente Hugo Chávez Frías em 2002, como uma guerra híbrida ensaiada com a participação de um setor do exército pago pela CIA. O golpe contra Chávez não teve êxito graças ao salvo-conduto das multidões, das pessoas que se mobilizaram e impediram a tentativa de golpe.
E esse é precisamente o ponto: um “golpe suave”, por mais bem organizado e surpreendente que seja, mesmo que seja realizado por mercenários com alto treinamento militar – como no recente assassinato do presidente haitiano Jovenel Moïse – se a população cooperar, os eventos do golpe são frustrados. Assim, Chávez foi salvo pela mobilização social, como o apoio social para a captura dos mercenários no Haiti após o magnicídio.
Enquanto Gene Sharp criou e desenvolveu o conceito do chamado “golpe suave”, foi a CIA e seus financiadores que apoiaram esta estratégia para primeiro desestabilizar e depois derrubar os governos que os tivessem atrapalhado Aconteceu nas “revoluções coloridas” no Oriente Médio, está acontecendo agora na América Latina.
Sobraram para Washington e o Pentágono – é o que os americanos e o mundo são levados a crer pelos últimos presidentes que, de Obama a Biden, entre promessas e realidades, estão retirando tropas de frentes como o Afeganistão – os cenários da Guerra Fria, ainda do século XX, de confrontos diretos, para passar às guerras indiretas do século XXI.
Finalmente, trata-se de outras formas de guerra, como a recente operação criminosa de golpe no Haiti, planejada como estratégia armada e operada por estruturas privadas – a privatização da guerra que faz parte destes novos cenários de violência pela CIA e Washington neste novo século: empresas que contratam ex-militares (ou seriam militares ativos?) -, claramente não para “prender” o Presidente Moïse, mas para assassiná-lo, após tortura.
América Latina em perigo
Quais foram os objetivos de assassinar um presidente? Há uma ampla gama de opções. Vamos citar alguns, entre as mais importantes:
1.- Se olharmos para as causas internas, os interessados no crime contra Moïse incluem atores políticos que aspiram à sucessão, grupos políticos que estão em disputa e querem poder, a elite de empresários descontentes, ou os patrões milionários do país, e até seus próprios colegas do Partido Tét Kale Haitiano (Partido da Cabeça da Apele Haitiana), o partido de Obama e Clinton? O poder, nas mãos de quem quer que seja, realmente passa através da peneira dos americanos.
2.- Vindo do exterior, as bordas estão se alargando: a) agressores de origem colombiana, mas também haitiano-americanos numa anunciada “operação da DEA”; b) mercenários contratados por uma empresa norte-americana sediada em Miami, com fortes ligações aos Contras venezuelanos; c) um complô envolvendo pessoas de vários países, e o Pentágono também admite ter treinado ex-soldados (sic) que agora presumivelmente são mercenários bem “cotados”; d) com a invasão de uma residência presidencial em curso, é de se acreditar que os EUA não estavam cientes disso, dado que a operação era pra assassinar um presidente; e) seria um “ensaio” golpista como alerta para outros presidentes indesejados na região – e não apenas no Caribe ou na América Central; f) seria o estabelecimento de um golpe de estado operado a partir da privatização da guerra; g) seria o tipo de guerra neocolonial do imperialismo americano agora aplicada na região, o “quintal” latino-americano?
É evidente que os EUA deixaram para trás as invasões de países e golpes militares na região e, portanto, aplicam essas outras modalidades da chamada – numa concepção mais ampla – guerra híbrida, que inclui o “golpe suave”, também chamado de “revolução colorida”, bem como guerras não-convencionais.
Esta última acontece ou se aplica quando as “revoluções coloridas” não dão frutos, como no Haiti nas várias tentativas anteriores de derrubar Moïse, os Estados Unidos continuam a aplicar a “guerra não convencional”, combatida por forças não-regulares, sejam elas guerrilhas, milícias ou grupos insurgentes.
Em Cuba, como disse recentemente o Presidente Díaz-Canel, o objetivo era apoiar mobilizações para realizar um “golpe de Estado” contra Cuba. Foi o uso de protestos de cidadãos para deslegitimar o governo da ilha. Enquanto isso, Biden foi rápido em chamar Cuba de “Estado falid”, bem como em “restaurar” a internet.
É a estratégia de “revoluções coloridas”, medidas ou ações para desestabilizar e deslegitimar as autoridades, mesmo que sejam legitimamente eleitas por seu povo. Protestos para gerar o caos, estabelecendo bloqueios nas ruas com barricadas, provocando a polícia para que, ao responderem, possam alegar “repressão” e assim ganhar o apoio dos cidadãos e assim abrir o caminho para a violência generalizada.
As sanções econômicas, como o bloqueio de 60 anos de Cuba, são eficazes. Portanto, qualquer tentativa de desestabilizar Cuba, como no resto dos países da região, passa por Washington, Estados Unidos. E, como em outros casos quando se trata de políticas antidrogas, o império não pode enterrar sua cabeça na areia.
É com isso que os governos da região, TODOS eles, devem tomar cuidado. O “retorno” dos EUA de Biden envolve a recriação da Doutrina Monroe na América Latina, como os cenários da Guerra Fria na área para evitar a presença dos principais rivais, como Rússia, China e até mesmo Irã, que estão suprindo negócios anteriormente gringos agora com outros “parceiros”.
É a estratégia de um império que está perdendo sua hegemonia no mundo, mas que não quer perdê-la também em sua tradicional “zona de influência”, mais conhecida depreciativamente como o “quintal”.
É claro que é a presença de aliados geopolíticos, como a Rússia com Cuba, o Irã com a Venezuela e a China em toda a região, que estão vindo para a região precisamente deslocando os equilíbrios de poder da Guerra Fria agora para a região da América Latina. A América Latina, na disputa geopolítica entre as potências para a hegemonia global da multipolaridade.