Pandemia e Necrodemocracia

A pandemia expôs o fracasso das democracias ocidentais, que em nome de seus “elevados” ideais abstratos pouco fizeram para impedir a difusão do vírus ou para impedir mortes. Em um contexto de austeridade neoliberal que designa parte da população, especialmente os idosos, como “indesejáveis”, estamos diante do surgimento das necrodemocracias, o tipo de regime ocidental que trabalha ativamente para a morte de parte de seus próprios cidadãos.

As mortes que a administração da pandemia poderia ter evitado

“A necropolítica nos permite problematizar a lógica política contemporânea, onde violência, lei, exceção e soberania estão entrelaçados. Ou seja, a necropolítica conjuga elementos necessários para o controle da população a partir da construção de: nos discursos de guerra, o inimigo e o terror para justificativa da exceção como única alternativa para o retorno a uma normalidade social” (Brito-Alvarado X., Capito Alvarado, J. 2020. Neoliberalismo como necropolítica de zumbis. Argumentos: revista de crítica social, 22, 252-279).

“A proliferação de armas e a existência de mundos de morte – lugares onde as pessoas são tão marginalizadas que realmente vivem como mortos-vivos são um indicador de que existe uma política de morte (necropolítica) ao invés de uma política de vida (biopolítica) como entendida por Foucault” (Mbembe, A. 2011. Necropolítica. Santa Cruz de Tenerife: Melusina.)

Os autores do artigo citado, projetaram com maestria teórica o que aconteceu algum tempo depois de escrevê-lo: “Para que a necropolítica seja implantada deve haver um estado de exceção, como proposto por Agamben, que justifique a implementação de medidas políticas que permitam ao poder soberano eliminar os sujeitos desnecessários para seus interesses” (Ibidem, 15).

Embora o eixo conceitual que eles propõem seja através da reafirmação do neologismo “necropolítico”, eles deslizam um capítulo em relação ao que consideramos na verdade mais central, a necrodemocracia, que foi claramente demonstrada, mediante a pandemia, através da governança desastrosa em termos humanitários de tantos governos democráticos ou daqueles que se vangloriam disso, como o argentino:

“Giorgio Agamben (2006), denuncia no Homo Sacer I, Poder Soberano e Vida Nua, que os dispositivos jurídicos capturam a vida destes sujeitos. Portanto, para Agamben, o melhor controle populacional é a democracia. O poder democrático implica que é necessário tornar invisível uma série de ações que procuram encobrir certas violações dos direitos humanos” (Ibidem, 19).

Finalmente, pelo menos para ressignificar o artigo, para reconhecer seu valor teórico, que viu mais adiante o que aconteceu algum tempo depois sob o pretexto sanitário, recitaremos novamente uma passagem de Agamben, que sustenta o que propomos, a constituição do conceito subsequente ao de “necropolítica”, o de “necrodemocracia”.

“Se existe uma característica que pode definir as democracias e totalitarismos atuais, é que cada vez que suas intrincadas complexidades políticas se tornam visíveis para alcançar o exercício do poder estatal através da implementação de discursos e políticas, para alcançar o domínio da população; assim, o poder que recai sobre o ‘soberano é aquele que decide sobre o valor e desvalorização da vida como tal'” (Agamben, G. Homo Sacer. Poder soberano e vida nua. Valência: PreTextos).

A responsabilidade concreta, efetiva e irrefutável dos governos e, com ela, dos governantes, que se percebem como democráticos, deve ser descoberta ou desmascarada. Na clivagem do significante mestre em que se sustentam os ultrajes governamentais, por vislumbres democráticos, não podemos deixar de apontar a falta, a carência, o buraco, que pandemia mediante, não é nem mais nem menos os milhares de mortos que adiantaram sua finitude, pelo trabalho e graça das administrações que em nome do sagrado e totêmico da democracia, vacinadas tardiamente e erroneamente, pulando o “democrático” e o “democrático”, vacinaram tarde e mal, furando a fila para consagrar seus privilégios e os dos seus e condenando a maior pobreza e marginalidade àqueles que ainda sobrevivem a uma tragédia, claramente evitável em seus números drásticos e dolorosos de que são responsáveis certas necrodemocracias em que vivemos.

Fonte: Geopolitica.ru

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Francisco Tomás González Cabañas

Bacharel em Filosofia pela Universidade do Salvador (USAL), em Psicologia pela Universidade de Palermo (UP), em Ciências Políticas pela Universidade Católica Argentina (UCA) e em Comunicação Social pela Universidade de Ciências Empresariais e Sociais (UCES).

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