A estratégia de segurança nacional de um presidente dos EUA demora a se definir de maneira clara, mas na medida em que Biden é sucessor ideológico das administrações neoconservadores, e inclusive trabalhou nelas, já é possível analisar alguns dos pilares de seu projeto militar.
Cada administração define a política de segurança nacional dos EUA após consultar as forças armadas e seus próprios especialistas. Este processo é necessariamente longo – um a dois anos. Portanto, a administração Biden, que pretende romper com os “erros” anti-imperialistas de Donald Trump sem demora, já tornou públicos os novos princípios de segurança nacional dos Estados Unidos, mesmo que isso signifique esclarecê-los mais tarde.
A idéia central é revitalizar a democracia como sistema de governo, a fim de poder mobilizar aliados e manter a atual organização das relações internacionais. Esta estratégia está de acordo com o que Joe Biden anunciou na Foreign Affairs há um ano, durante sua campanha eleitoral.
As diretrizes que ele acaba de publicar são extremamente claras, mas não respondem às perguntas que ele terá que enfrentar. O presidente listou uma série de temas para trabalhar (a pandemia, a crise climática, a proliferação nuclear, a quarta revolução industrial), mas não expôs os novos problemas que surgiram (o declínio da produção norte-americana, a financeirização da economia, a queda no nível técnico norte-americano, a vertiginosa desigualdade econômica).
1- Democracia
A democracia é a participação do maior número na tomada de decisões políticas. O Presidente Biden parece ser realista quanto às ambições de seus concidadãos, por isso ele fala sobre o consentimento informado de seus concidadãos. Ao fazer isso, ele adota a terminologia de Walter Lippman, o famoso jornalista democrata treinado em propaganda pelo Coronel Edward House.
Ao descrever a democracia, o Presidente Biden parece estar escrevendo um ensaio clássico que enfatiza a separação de poderes e a moralidade dos cidadãos. Entretanto, ao contrário do que ele pensa, o descontentamento dos ocidentais com este tipo de regime político não se deve à desinformação dos “inimigos da América” (isto é, Rússia e China), mas à transformação sociológica de suas sociedades. A classe média está desaparecendo, enquanto os multibilionários têm se elevado acima dos governos. Desde os tempos medievais, não tem havido tal captura de riqueza. O problema não é como fazer as democracias funcionarem novamente, mas se e como elas ainda podem funcionar.
Por exemplo, os gigantes da Internet não têm legitimidade para assumir o poder da censura. No Compromisso de 1791, os Estados Unidos confiaram na total liberdade de expressão (1ª Emenda), mas Google, Facebook e Twitter censuraram o Presidente em exercício dos Estados Unidos no início de 2021, violando não a letra, mas o espírito da Constituição. A democracia ainda é imaginável neste contexto?
2- O Imperialismo Puritano
O Presidente Biden foi educado em uma cultura puritana imperialista. Ele está convencido não apenas de que a democracia é o melhor regime político para seu país, mas que é também o melhor para todos os outros. Consciente do valor do exemplo, ele espera converter todas as nações a este sistema, revivendo-o em casa. Continuando com seu raciocínio, ele faz da sua missão lutar contra o racismo sistêmico em todo o mundo, a fim de trazer “democracia, igualdade e diversidade”.
Não importa se algumas pessoas não procuram participar das decisões políticas ou se acreditam que a humanidade é composta apenas por uma raça, o Presidente Biden sabe para elas o que é bom para elas.
Sobre este ponto, sua administração pensa como os neoconservadores. Como eles, ele está pronto para impor a democracia ao resto do mundo, acreditando que ela garantirá tudo que todos precisam. Temos enfatizado muitas vezes que os neoconservadores não são nem democratas nem republicanos, mas estão sempre do lado do Poder.
3- A “Guerra sem Fim”
A principal questão sobre a administração Biden é se ela retomará e continuará a “guerra sem fim” dos presidentes Bush e Obama. Esta estratégia, enunciada pelo Secretário de Defesa Donald Rumsfeld e seu conselheiro Almirante Arthur Cebrowski, visa destruir todas as estruturas estatais em uma região do mundo para que os capitalistas possam explorá-la sem resistência política. Ela está sendo aplicada ao “Oriente Médio mais amplo”, onde os Estados do Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria, Iêmen e Líbano já foram consideravelmente enfraquecidos ou mesmo destruídos.
A “guerra sem fim” foi oficialmente declarada pelo Presidente Bush, não contra indivíduos ou Estados, mas contra o “terror”, que existe em todos os lugares e em todos os momentos.
A resposta do Presidente Biden a esta pergunta foi sem convicção. Ele chegou a entender que seu povo não quer mais ver seus soldados morrerem em conflitos que eles não entendem. Portanto, ele se declarou pronto para retirar suas tropas do Afeganistão, o único país envolvido onde eles estão presentes em massa. Entretanto, a expressão “guerra sem fim”, se foi evocada pelo Presidente George Bush e pelo Vice-Presidente Dick Cheney logo após os ataques de 11 de setembro de 2001, só foi imposta com a guerra no Iraque da qual o Presidente Joe Biden parece não estar consciente hoje. Ele está, como sabemos e já verificamos muitas vezes, sofrendo de senilidade precoce. No entanto, foi ele, quando era senador, que propôs a divisão deste país em três partes de acordo com o plano Rusmfeld/Cebrowski. Em outras palavras, o Presidente Biden não está ciente dos recentes desenvolvimentos mundiais. Ele não está pronto para abandonar a estratégia da “guerra sem fim”, apenas para adaptá-la em alguns teatros de operação para que ela não custe vidas nos EUA. E pode retomá-la e continuar, sem as tropas americanas no terreno, mas ainda com armas, financiamento e conselhos do Pentágono.
Fonte: Oriental Review