À medida que o mundo caminha lentamente em direção ao novo normal, as primeiras avaliações da nova ordem política e econômica estão surgindo. O politólogo argentino Marcelo Gullo falou esta semana com a OH! sobre os interesses que entraram em jogo no quadro mundial do poder.
Antes da Covid-19, já havia sintomas de uma crescente crise econômica e política. Com a pandemia e a quarentena, veio a “tormenta perfeita”. Quais você considera os principais efeitos dessa catástrofe no xadrez político do planeta?
Desde que essa tormenta estourou e veio diminuindo, temos algumas certezas a respeito. A primeira é que o capital financeiro internacional empurrou os governos do mundo para uma quarentena total e irracional. Isso porque agora está claro que entre a quarentena total e impensada e a negação absoluta e irracional da quarentena se encontrava o meio termo justo.
E o que o capital financeiro internacional busca, forçando essa quarentena total contra o coronavírus?
Há três objetivos principais: primeiro, um objetivo econômico, que é aproveitar a crise para aprofundar o processo de concentração de capital. É claro que na maioria dos países os peixes grandes comem os pequenos. As pequenas e médias empresas estão sendo devoradas por grandes multinacionais. Isso aconteceu em todas as crises causadas pelo capitalismo e mais nesta ocasião, fazer uma grande tomada de lucros.
O outro objetivo é geopolítico. O capital financeiro internacional é o grande ator nas relações internacionais. Tem uma longa história. Teve suas etapas de fundação com o imperialismo britânico e com o imperialismo norte-americano. Mas, depois da queda do Muro de Berlim e, sobretudo, com as leis que desregulamentaram o sistema financeiro dos Estados Unidos, no governo de Bill Clinton, ele cresceu mais. Após a ausência das leis de controle do Estado sobre o sistema financeiro e com o avanço tecnológico, o capital financeiro internacional começa a ter vida própria. Torna-se uma espécie de Frankenstein.
Tem condições, inclusive, de controlar o complexo midiático-cultural. Não podemos esquecer que, de acordo com pesquisa da Universidade de Zurique, 60% da economia mundial está nas mãos de 600 empresas. Essas 600 empresas são controladas por 300 bancos e esses 300 bancos controlam a maioria das agências de informação do mundo. Com base nisso, nas últimas décadas, impôs-se aos povos duas etapas de subordinação cultural: o neoliberalismo e o progressismo.
Ou seja, esse grupo de poder, para continuar crescendo, impôs duas ideologias opostas a seu favor?
Você pode ver isso claramente ao avaliar como e onde suas fundações e organizações colocam o dinheiro. Na primeira etapa, entre os governos Clinton e Obama, enfatizou-se a difusão, como ideologia de subordinação, do neoliberalismo. Como sabemos, está focado no livre comércio, na desregulamentação das economias estatais e no desmantelamento das leis que protegiam os trabalhadores.
Após o governo Obama, esse complexo da mídia financeira começou a pôr ênfase em outro lugar. Suas fundações, estranhamente, passaram a subsidiar os setores chamados de “progressistas”, aqueles que o filósofo espanhol Gustavo Bueno chamou de “esquerda indefinida”. No centro desse progressismo está a ideologia de gênero, o garantismo e, como apontou Andrés Soliz Rada, o fundamentalismo indígena. Organizações lideradas por pseudo-esquerdistas receberam o dinheiro daquela oligarquia financeira internacional em mãos, para pregar o progressismo.
Por que esse jogo com os dois extremos? Qual era o objetivo?
Com o livre comércio foi proposta a destruição material dos povos. Na década de 1990, os Estados-Nações e os sindicatos foram fortemente enfraquecidos, privando a humanidade da proteção natural de que dispunha. Com o progressismo, busca-se a destruição espiritual e cultural dos povos. Essa ideologia engendra a pós-verdade, a ideia de que não há verdade, de que tudo é relativo. Hoje se pode ser uma coisa, amanhã outra.
É o reino do ser e do não-ser ao mesmo tempo. Portanto, se não há verdade, não há valores e o homem não pode construir poder, quando se lhe apresentam adversidades na vida. As novas gerações começaram a viver no niilismo. Já que “não há verdade”, elas não têm motivação para dar a vida por algo em prol do bem comum.
Essas ideologias fragmentam os povos de tal forma que não só fazem desaparecer o conceito de classe, mas também o próprio conceito de povo. Então, agora, do homem, sem a proteção de seu Estado, sem sindicato, sem povo, no novo cenário querem tirar a última proteção que lhe resta: a família. Esse é o objetivo antropológico. É um ser sozinho em face do poder mundial, facilmente dominável.
É uma interpretação, há algo expresso nesse sentido?
Podemos afirmar isso com rigor científico. Essas ONGs de pseudo-esquerda tiveram a audácia de publicá-lo. Um exemplo: o artigo de 24 de março, escrito por Sophie Lewis, intitulado: “A crise do coronavírus”. Lá está escrito na íntegra: “Em suma, a pandemia mostra que não é hora de esquecer a abolição da família. A família privada, em termos de modo de reprodução social, ainda é francamente ruim. Nós merecemos mais do que família. E a época do coronavírus é uma excelente época para praticar sua abolição.”
Reitero: busca-se deixar o homem sozinho perante um enorme poder, retirando os três fundamentos da solidariedade.
Há um objetivo econômico, concentração de capital, e um objetivo antropológico, de deixar apenas o indivíduo. Qual seria o objetivo geopolítico nessa apropriação da crise pelo capital financeiro internacional?
Geopoliticamente, procuram atingir as forças patrióticas que na Rússia, na China e nos Estados Unidos se opõem à nova ordem mundial desejada pela oligarquia financeira internacional. Na Rússia, por exemplo, Putin decidiu reconstruir o poder nacional russo e concebeu que na origem do poder das nações está uma fé fundante. Então, ele decidiu fazer isso a partir do Cristianismo Ortodoxo Russo, que é a fé fundante da Rússia. Assim, ele começou a reconstruir o poder russo desde os fundamentos, desde a fé fundante, como sempre aconteceu em todos os tempos. É por isso que o atacam. E atacam Trump, porque ele também reagiu contra essa ideologia progressista que está minando a fé fundadora dos Estados Unidos.
E o caso da China? Por acaso não estava avançando de mãos dadas com esse poder financeiro internacional?
Claro, existe uma aliança entre o capital financeiro internacional e a China desde a época de Mao Tse Tung, quando ele recebeu Kissinger. Então, Deng Xiao Ping o aprofundou. Essa aliança conseguiu colocar a globalização em benefício da China, que se industrializou e cresceu 9% ao ano. Mas ninguém pode se aliar ao diabo sem que o diabo o traia. E no meio dessa aliança, a oligarquia financeira internacional quer mais da China.
Esse poder transnacional ganha muitíssimo à China. O que ele quer além disso?
Ele quer que a China lhe entregue seu setor financeiro. A China é o único país que controla seu aparelho financeiro, a única potência estatal financeira poderosa do mundo. O capital financeiro quer que lho entreguem. Portanto, na China há setores patrióticos que se opõem a essa entrega, mas também setores do Partido Comunista dispostos a entregá-lo para enriquecerem a si, seus netos e bisnetos.
O golpe também atingiu muito a Europa, especialmente a Espanha e a Itália. Qual é o objetivo lá?
Lá aproveitaram as circunstâncias para desindustrializar completamente a Itália e a Espanha. O capital financeiro mundial faz alianças em cada região com diferentes potências. Na Europa, ele fez isso com a Alemanha. Nesta nova ordem internacional, o papel industrial, nesta nova divisão internacional do trabalho, é desempenhado pela Alemanha. A Itália e a Espanha se tornarão uma espécie de grande parque temático para os turistas asiáticos visitarem. Assistimos à desindustrialização da Itália, Espanha e, em menor medida, da França.
O que está previsto para a América Latina e principalmente para a América do Sul?
Um terrível golpe também. Estamos testemunhando a desindustrialização completa da Argentina. Temo que, quando a crise passar, pareça o Paraguai depois da Guerra da Tríplice Aliança. No entanto, embora pareça paradoxal, esta crise é uma oportunidade, porque a América do Sul é uma das poucas regiões do mundo com três condições fundamentais: é capaz de se auto-abastecer de alimentos, energia e massa cinzenta. Quando há essas condições, as crises podem ser usadas para realizar uma insubordinação fundante.
Quando ocorrem essas crises, as metrópoles afrouxam o controle sobre as periferias. Portanto, é um ótimo momento para realizar sua insubordinação fundante. Para isso, falta surgir o rechaço à ideologia de dominação criada pelo poder mundial e um impulso estatal adequado.
Mas o desafio é muito grande e o golpe, muito forte, não é?
É muito difícil. Fomos subordinados por duas ideologias, o neoliberalismo e o progressismo. Se pudermos rejeitar ambas as ideologias ao mesmo tempo, será possível. É o momento em que os pensadores nacionais devem cumprir o papel que cumpriram, por exemplo, Alberto Mentol Ferré, Hélio Jaguaribe, Abelardo Ramos ou Andrés Soliz Rada. Vamos ver se estamos à altura das circunstâncias diante dessa espécie de última oportunidade histórica.
Urge uma insubordinação fundante que nos permita desenvolver uma nova industrialização, desta vez tecnologizante e ecológica. É como um jogo de futebol. O primeiro tempo acabou e a oligarquia financeira internacional ganha de 7 a 0 contra os povos do mundo. Estamos testemunhando o maior golpe contra o humanismo da história, mas há uma saída. Resta o segundo tempo.
Qual foi o papel da Organização Mundial da Saúde (OMS) nesta crise?
A OMS e a Organização Mundial do Comércio (OMC) são os novos ministérios de colônias da estrutura hegemônica do poder mundial.
E a origem de um vírus tão útil que a oligarquia?
Agora sabemos, como afirma o virologista francês Luc Montagnier, ganhador do Prêmio Nobel, que o coronavírus “é um vírus criado artificialmente em laboratório”. Não sabemos se sua expansão foi por engano ou ato premeditado. Mas o que sabemos é que estamos presenciando o maior experimento de controle social da história e que a OMS e a mídia, por um afã de rating ou cumplicidade, se prestaram a esse experimento. O medo da morte do homem comum apenas fez seu trabalho depois e todos acabamos trancados em casa como se fôssemos criminosos perigosos.
Fonte: geopolitica.ru