O Prof. André Luiz questiona nossa suposta ocidentalidade, bem como demonstra que os “valores ocidentais” têm mais que ver com a civilização iluminista, liberal, burguesa e capitalista do que com a singular civilização brasileira.
Quando se usa o termo civilização ocidental atualmente faz-se referência, fundamentalmente, à civilização iluminista que se impõe na Europa e em algumas de suas colônias no séculos XVIII e XIX.
Não tem a ver com uma questão meramente geográfica — que não tem sentido algum — ou com a civilização europeia cristã que os iluministas derribaram por meio de revoluções sociais, políticas e econômicas.
Quando o Ocidente se consolidou, os próprios ocidentais se perguntavam se Portugal era de fato ”Europa”. A Europa do século XIX — civilização iluminista, liberal, burguesa, capitalista e dominada pela expansão industrial — ia até os Pirineus.
A bem da verdade, a Península Ibérica sempre possuiu esse caráter limítrofe, mesmo antes da civilização ocidental emergir. Durante a maior parte da Idade Média, era região largamente dominada pela expressão moura do Islã, que chegou até a possuir um Califado ali do lado, em Córdoba.
Ou seja, se Lucien Febvre e Henri Pirenne estão corretos, e a civilização europeia nasce com a cristandade latina que sucede o Império Carolíngeo, então Portugal era de fato uma região limítrofe.
Foi portanto um cristão latino limítrofe, talhado em fronteiras civilizacionais, e marcado pelo norte da África, uma das forças determinantes — mas não a única — no projeto colonial que formaria o Brasil.
Os núcleos familiares dessa nova configuração eram uma mescla do patriarcalismo romano, do ”cunhadismo tupi” e de influências da escravidão doméstica sexual norte-africana.
A instituição mais forte e reprodutora do cerne da formação sócio-cultural, o escravismo, nunca teve papel determinante na Europa cristã, seja em sua versão medieval ou moderna. A religiosidade era um arcabouço mágico-ritualístico-festivo que tornava o cristianismo daqui quase que irreconhecível pros europeus. Os costumes e técnicas eram largamente herdados dos ameríndios e com infusões africanas. Até a língua da maior parte da população até o século XVIII era uma coisa nova, o nheengatu, que deixou marca indelével no português da maior parte de nosso povo.
A Europa só se introduziu de maneira mais forte nessas terras com a chegada da família real portuguesa no início do século XIX. Mas era uma Europa apartada do Iluminismo, que fugia de Napoleão, e cujas instituições se delinearam para manter uma sociedade e uma elite social extremamente arcaísta.
Definitivamente, não somos ocidentais. Existem forças ocidentalizantes no Brasil. Mas elas não fazem parte da formação orgânica do nosso povo. Vêm de algumas elites associadas a empresas estrangeiras e multinacionais, doidas para inserir a população no mercado mundial dominado pelas potências ocidentais.
Mas esse povo, que não é ocidental, ainda se vê carente de um projeto que o represente. Por enquanto, ele vai sobrevivendo, se ‘safando’, malemolente que é, malandramente reagindo aqui e ali, brincando com os novos espelhinhos e instrumentos de ferro que lhe dão e que permitem que a gente ”vá levando”, e doidos pra degolar, canibalizar o inimigo em um ritual ancestral que mistura vingança e festa.