Escrito por Cristian Taborda
Na medida em que são os EUA a maior potência global, as suas eleições dão o tom dos anos seguintes para o mundo. Mas essas eleições não são como as anteriores. A crise do capitalismo e do modelo liberal é tão profunda que a elite global já fala em um “Grande Reset”, oportunidade propiciada pela pandemia para reajustar o mundo em uma “governança global” turbocapitalista e transumanista. Simultaneamente, insatisfações generalizadas por todo o mundo ameaçam incendiar uma guerra civil global. O vencedor das eleições americanas e que decisões ele tomará são pontos centrais que definirão com que cenário vamos nos deparar nas próximas décadas.
Sem dúvida essas eleições nos Estados Unidos são as mais importantes dos últimos anos e as que marcarão o século XXI, definindo o rumo que tomará a principal potência do mundo e, daí se derivam implicações geopolíticas futuras. A importância desta esleição está nas diferenças radicais e nas concepções ideológicas, políticas e teológicas dos concorrentes e daqueles que eles representam. Eventualmente, há mais perguntas do que respostas: Vencerá a posição realista que coloca os Estados-Nação como os principais atores do sistema internacional, ou o liberalismo irá avançar para um total globalismo, reformulando e fortalecendo as organizações internacionais? A aliança tática com a Rússia de Vladimir Putin será mantida ou o Estado Profundo tentará mais uma vez enfrentar aquele que ele considera seu inimigo natural? Os acordos comerciais com a China e as cartas entre Trump e Kim Jong Un continuarão ou as relações com o comunismo serão rompidas? Os acordos de paz entre Israel e os países árabes continuarão ou Hillary Clinton voltará aos seus velhos costumes? A política de não incursão militar será mantida ou os “senhores da guerra” e o complexo militar encontrarão um novo bode expiatório?
Nova Ordem Internacional
A crise do coronavírus teve impacto em nível global com as conseqüências devastadoras de uma guerra, com a queda das economias, a paralisia do comércio, a incerteza do mercado de ações e o pânico social, tudo isso na metade de um ano eleitoral nos Estados Unidos, onde se esse evento não tivesse ocorrido Trump seria confortavelmente reeleito. Hoje, os Estados Unidos parecem deixar para trás essa crise com uma recuperação incomum, mas o que realmente está em jogo é o papel e o poder que eles terão na configuração de uma nova ordem internacional pós-pandêmica. Será junto a China, Rússia, Alemanha, Índia e Japão promovendo um mundo multipolar com os Estados como seus principais atores? Será que acelerará a competição com a China em um bipolarismo tecnológico com a divisão do mundo em áreas conectadas e não conectadas? Ou será que aspirará ao modelo de governança global com o fortalecimento de organismos supranacionais e multilaterais? O que é certo é que os EUA continuarão sendo o ator central na nova ordem mundial.
Governança Global
A última alternativa parece a mais previsível em caso de vitória de Joe Biden, a concretização do projeto globalista e das elites plutocráticas, a “governança global” ligada ao mercado único mundial “Um governo, um mercado”. Capitalismo absoluto sem nenhum tipo de limite, não apenas como um projeto econômico ou político, mas também como um projeto sócio-cultural e um projeto transumanista. Um tecnocapitalismo das corporações globais, das Big Five: Google, Amazon, Facebook, Apple, Microsoft – o GAFAM, como alcunhou Walter Formento. Uma sociedade pós-capitalista governada pela exploração de dados, inteligência artificial, robotização, automação e biotecnologia, em termos gerais. A parte restante do século XXI será a transição em direção a um novo ordenamento para uma sociedade transumanista, transcapitalista e transnacional?
Guerra Civil Mundial
Bertolt Brecht é creditado com a frase: “A crise ocorre quando o velho não termina de morrer e quando o novo não termina de nascer”. A crise da pandemia é que, como a etimologia da palavra pandemia indica (Pan= Todo; Demos= Povo) uma crise total. Onde ela não termina senão em uma guerra total como Carl Schmitt já previu, a perda da autoridade estatal, portanto o fim da estatalidade, deriva em uma guerra de todos contra todos no Homo homini lupus de Hobbes, um estado de natureza que Schmitt vai chamará de “guerra civil mundial” (weltbürgerkrieg).
As cenas reproduzidas na Europa de lutas de rua entre o povo (lojistas, trabalhadores demitidos e autônomos) contra a polícia por causa do toque de recolher e da imposição do estado de exceção, diante da “segunda onda”, pelos governos, já sem qualquer legitimidade popular, só pode ser um preâmbulo às conseqüências que trará o “Grande Reset”, como o Fórum Econômico Mundial de Davos chamou a iniciativa de “reconstruir” o sistema econômico e social global a partir da crise (oportuna) do Coronavírus com um “Novo Contrato Social” que traz sob seu braço a idéia de uma renda mínima universal, para evitar uma explosão social planetária; a transição para uma “Economia Verde”, esta é a passagem dos combustíveis fósseis para as energias renováveis que trará aumentos de impostos (as políticas de Macron orientadas neste sentido desencadearam o conflito dos “Coletes Amarelos”); e a implementação de novas tecnologias e automação no mundo do trabalho, o que provocará um aumento do desemprego, aí a importância e a necessidade de promover um salário mínimo para conter a população diante do “reinício da economia” enquanto os engenheiros do sistema – GAFAM – projetam o novo mundo do qual serão mestres e criadores.
É neste cenário que se desenrolam as eleições americanas, onde a Guerra Civil é latente e pode ser mais um episódio na guerra civil mundial, mas com a relevância de estar no coração do império, cujas conseqüências excedem qualquer análise. Onde o fim da estatalidade, a perda de autoridade das nações, o fim da soberania (S. Krasner), o fim da história (F. Fukuyama) e o fim do humano (Harari) abrem caminho das elites globais para uma sociedade global, pós-nacional, pós-humana. Não há falta de intelectuais orgânicos no sistema que levantem a necessidade de um Estado global com poder e autoridade global, para decidir sobre o estado de emergência e para fazer cumprir o novo direito internacional. Uma nova ordem.
Cabe à política analisar a realidade e prever o futuro. A única certeza é que no Pandemônio, os demônios estão à solta.
Fonte: Geopolitica.ru