Por Alfredo Serrano Mancilla
Como tantas vezes em sua história, o sistema liberal passa por uma crise profunda, e encontre dificuldade em utilizar das velhas retóricas para justificar seus erros. Resta saber se sua rejeição massiva na América Latina será capaz de derrotá-lo, ou se ele se apossará de novas ferramentas para a manutenção de seu poder obscuro.
A pior parte de um estado presente é quando nem sequer podemos imaginar o futuro. Isso é justamente o que está acontecendo com o neoliberalismo. Vive um presente extremamente complicado que se agrava ainda mais pela incapacidade que demonstra em desenhar novos horizontes para o futuro.
Depois de meio século de existência, o neoliberalismo enfrenta uma grande crise de ideias. Seu manual ficou obsoleto.
A decadência é sempre um processo lento e, em muitas ocasiões, inaceitável para quem a sofre. O Neoliberalismo vive seus meses mais difíceis na América Latina. A pandemia do Covid-19 evidenciou muitas de suas debilidades, até agora “encobertas” com grandes campanhas de comunicação e altas doses de pós-verdade (para não dizer mentiras). Observemos, por exemplo, o que ocorreu no ano de 2008: a última grande crise neoliberal no campo econômico foi reescrita como um problema de bolha imobiliária, e os cidadãos foram responsabilizados por todos os problemas, devido a um excesso de endividamento. No entanto, desta vez, diante da atual grande crise mundial que estamos vivendo, é praticamente impossível que a culpa recaia mais uma vez sobre nós. Nesse momento há um grande consenso de que a culpa não é das pessoas, mas que o problema real está num modelo econômico e social muito despreparado para enfrentar adversidades.
Todos os mitos neoliberais explodiram no exato momento em que as pessoas precisam enfrentar uma situação dramática. O neoliberalismo não consegue acertar com nenhuma de suas respostas habituais. Por um lado, a economia real é colocada de lado em favor da entronização financeira e, por outro lado, segue defendendo a ausência do Estado ainda que os povos latino-americanos queiram justamente o contrário. Segundo dados das pesquisas da CELAG, no último trimestre, 90% dos argentinos são a favor de um estado muito mais presente e ativo; esse percentual é de 70% no Chile, 60% no México e 75% na Bolívia.
A opinião do senso comum desses países caminha numa direção completamente oposta à que defende o manual neoliberal. O imposto sobre grandes fortunas tem grande apoio em muitos países da América Latina (76% na Argentina, 73% no Chile, 67% no México, 64% na Bolívia e 75% no Equador); o mesmo ocorre com a renda mínima, garantir publicamente a saúde e a educação como direitos, conter as privatizações, suspender e renegociar o pagamento da dívida, etc. Além disso, na maioria dos países da região, os bancos, as grandes mídias e o Poder Judicial estão com uma imagem muito negativa.
Esta alienação dos políticos neoliberais em relação ao que pensa o povo se traduz em muitas das imagens que estamos vivendo na região nos últimos tempos. Piñera sem saber o que fazer diante de uma maioria que já começou o processo constitucional para mudar o Chile. Lenín Moreno termina seu mandato no Equador com aprovação de apenas 11% pela implementação do projeto neoliberal. Áñez continua empobrecendo a Bolívia e, com a eleição já muito próxima, tem pouquíssimo apoio (11%). Na Colômbia, o uribismo está em seu período mais sombrio com seu expoente máximo sob ordem de detenção e sem capacidade de enfrentar a pandemia. Macri, agora de férias na Europa, jamais pôde construir uma hegemonia neoliberal na Argentina e deixou a economia em pedaços. Bolsonaro, com mais de 100 mil mortes por Covid em suas costas e com uma grande dificuldade para garantir governabilidade e estabilidade política, econômica e social. Neste panorama de crise neoliberal, também devemos considerar que o que ocorre no Peru, aonde o congresso foi fechado ano passado – e tem todos os seus ex-presidentes condenados por corrupção – e o Paraguai, onde o presidente Abdo evitou o juízo político in extremis, depois de ter vendido energia ao Brasil a “preço de banana”.
O neoliberalismo está em default, mas se nega a desaparecer. Procura reciclar-se e ganhar fôlego. Dito de outro modo: está renegociando seu futuro, mas com enorme dificuldade para criar horizontes que possam convencer e entusiasmar. No entanto, seria um grande erro subestimá-lo ou pensar que está morto, porque conta com um grande poder estrutural que, seguramente, estará disposto a camuflar-se atrás de ideias progressistas. O melhor exemplo é o FMI, que sem ter mudado sua composição “empresarial” tem agora um tom mais conciliador em matéria de dívida externa; ou o Banco Mundial defendendo os programas de renda mínima; ou os multimilionários advogando por mais impostos. São sinais inequívocos de que há um intento de apropriar-se das ideias progressistas, impróprias ao neoliberalismo. Certamente para torná-las suas e reformular, matizar, ressignificar… Isso já aconteceu muitas vezes na história: quando o capitalismo esteve em apuros cedeu o suficiente para não perder seu domínio.
Estamos num momento político de disputa da região, em que o neoliberalismo está em default, mas tenta escapar à sua própria ruína. O resultado desse dilema dependerá tanto da capacidade que tenha a matriz neoliberal para reinventar-se, mas fundamentalmente de como o progressismo avance, implemente soluções precisas e cotidianas aos povos e crie horizontes em acordo com os novos tempos.
[…] precisamente para impedir que os bancos e outras instituições financeiras operassem com fins exclusivamente especulativos, contornando sua função fundamental de apoiar a economia real. A legislação mais importante era […]