Biopolítica do Coronavírus (Parte IX) – A Farsa das Políticas de Inclusão

Evidentemente, inclusão social de minorias é algo relevante, mas não quando isso se sobrepõe a todos os outros deveres e funções do Estado, especialmente os que dizem respeito à defesa da vida, da saúde, do bem estar coletivo, e dos interesses culturais das maiorias. Pois é isso que ocorre em boa parte do Ocidente, como criticado pelo escritor François Bousquet, usando como exemplo as exageradas políticas francesas para inclusão de surdos, enquanto todo o resto dos serviços públicos, inclusive os de saúde, sofrem cortes neoliberais.

Minha filha, que tem cinco anos de idade, sempre me pergunta quem é aquela senhora amuada que fica ao lado de Macron balançando os braços e franzindo a testa como uma bruxa feia.

“Ela também é uma idiota, não é, papai?”

Entende-se entre nós que Macron é um idiota. O raciocínio analógico das crianças fazendo o resto, a comitiva de Macron é apenas uma longa cadeia de idiotas, toda a gama, que se espalha todas as noites no noticiário da France 2, desde o bruto (Benalla) até o pinheiro de Natal (Sibeth).

– Não, querida, ela é uma comediante. Antigamente, se teria falado de pantomina. Ela está lá para fornecer a comédia da sociedade inclusiva ao bom povo, uma comédia muito gratificante para aqueles que a interpretam. Ela proporciona o conforto intelectual dos profissionais da caridade melhor do que os 100 mil migrantes Merkel fariam. Com ela, eles se enchem de boa consciência para durar o ano todo. Se você me perguntar, é uma grande pegadinha!

– O que é uma pegadinha?

– Você sabe de pegadinhas, não sabe? São as pessoas que armam situações cômicas. Esse é o trabalho do Macron, mesmo que ele não seja engraçado. Você sabe quantos falantes surdos existem em Língua Francesa de Sinais (LSF)? Entre 80 mil e 120 mil de qualquer forma, e ainda inflando os números, como fazem os mágicos! Isso é 1/50 dos cinco milhões ou mais franceses que têm dificuldades auditivas, incluindo seu pai. “Aproxime-se, sou surdo, os anos são a causa”, como diz nosso querido La Fontaine. Em outras palavras, estamos fazendo todo este alvoroço por 100 mil pessoas! Em 2008, quando o LSF ainda não era uma causa nacional que todos tinham que abraçar, os números eram muito menos evasivos. Das 283 mil pessoas que conheciam a linguagem dos sinais naquela época, apenas 51 mil eram surdas. Para um surdo, havia cinco ou seis pessoas que entendiam a linguagem dos sinais. Tenho certeza de que o fosso se alargou desde então. Vocês vão admitir, a proporção é baixa.

Buscam-se Surdos Desesperadamente

– Moralidade: a língua dos surdos é falada em sua maioria por pessoas que não são surdas. Porque surpreendentemente a oferta é aqui maior do que a demanda, o que é uma exceção dentro desta exceção francesa da escassez (de médicos, de leitos, de máscaras). Falta de tudo, menos intérpretes de linguagem dos sinais. Se, com tudo isso, ainda há uma pessoa surda que não entende o discurso presidencial, há motivo de preocupação, pois ele está sendo martelado três vezes, a chamada palavra sagrada: através da linguagem dos sinais, através da legendagem que percorre o fundo das telas e através da leitura labial (a decodificação dos lábios, minha filha). De duas uma, ou os surdos são tomados por retardados, ou os franceses são tomados por retardados.

– Papai, você disse uma palavra feia…

– Falha minha, vou colocar uma moeda no porquinho. Mas veja, há algumas causas da moda que causam comoção entre os bem-pensantes. Vou lhe dar um exemplo de uma causa da moda. As lésbicas, por exemplo, são uma causa da moda. Marlene Schiappa, uma boa amiga de Macron, que escrevia romances picantes (você não vai gostar deles), até mesmo criou um “plano de emergência” especial do coronavírus para elas – para elas, não para os doentes, veja bem. E depois há algumas causas que não estão na moda, como a violência entre lésbicas, por exemplo. E posso lhes falar sobre isso: quando vivi em Paris, tinha à minha frente um par dessas velhas meninas. Bem, permitam-me dizer que, quando elas estavam em uma farra, muitas vezes, não era apenas as cabeças que elas viravam de cabeça para baixo. Mas vamos nos silenciar!

Hoje, é necessário ser acessível a deficientes: “deficientófilo”, você ouve! Diga depois de mim, não é fácil, né! É o último chique, como Flaubert costumava dizer em seu Dicionário das Idéias Recebidas, legendado, esquecemos com demasiada frequência, como Catálogo das Idéias Chiques. Tudo isso fica bonito em um currículo, especialmente desde que o LSF se tornou uma opção de língua moderna para o bacharelado. As moças jovens, nem todas, não se preocupe, adoram, já que dá a seu romantismo um pequeno toque de altruísmo.

Linguagem de Sinais, a Língua Oficial da República Francesa

– Você sabe em que parte do mundo vivemos? No Extremo-Ocidente, como dizia o grande Jean-Claude Albert-Weil. É um país onde a política nada mais é do que uma pantomima, um drama encenado por corpos silenciosos, atingidos pela impotência, mergulhados em um sentimento de irrealidade. De cinema, mas cinema mudo. Todo discurso verdadeiro é amordaçado, substituído por chistes, falsificações, infantilidades, falsas pretensões.

Assim foi o 25 de março em Mulhouse. O que aconteceu naquele dia? Bem, com muita câmera e publicidade, a linguagem dos sinais tornou-se o idioma oficial da República. Macron foi flanqueado por uma intérprete da LSF que recebeu toda a luz. Ela de fato pode dizer obrigado ao coronavírus, o que a retirou da seção de perguntas ao governo onde ela vegetava há anos. De agora em diante, nenhuma intervenção televisiva do Presidente, nenhuma conferência de imprensa diária pelo Diretor Geral de Saúde sem sua intérprete de linguagem de sinais. As gesticulações do governo foram beneficiadas, não os franceses.

A França não reconhece suas línguas regionais, mas reconhece a linguagem dos sinais. O nível do francês está caindo em toda parte, what else, amanhã não falaremos da complexidade do mundo senão com nossas mãos e em “globish”. A França tem pelo menos dois milhões e meio de analfabetos, foda-se, vamos ensinar a linguagem de sinais a eles. Todos os anos, 150 mil jovens deixam o sistema escolar sem a menor qualificação, que é onde reside o problema, e 2/3 deles são meninos.

Ser Acessível

– Me entenda, não se trata de negar aos surdos a possibilidade de qualquer forma de oralidade, ou melhor, de gestualidade. Pelo contrário. O que é embaraçoso é este excesso de exibicionismo, de compaixão, de condescendência. Não é nem mesmo que damos o espetáculo da caridade aos outros, nós o damos a nós mesmos.

Amanhã tudo será inclusivo: sua escola será inclusiva, sua empresa será inclusiva, sua vila será inclusiva. Este é o hobby dos políticos que se inclinaram para trás quando assistiram o filme Intocáveis, dos diretores de recursos humanos “ecologistas” que a-do-ra-ram A Família Bélier, dos dismorfófilos (pessoas que amam pessoas com bizarrices físicas, um pouco como na Bela e a Fera) que subiram pelas paredes assistindo Ferrugem e Ossos, dos jornalistas extasiados como aquela fraquíssima minissérie, Vestiaires, onde nadadores deficientes afundam a audiência da France 2, e das meninas românticas, eu sei, você gosta delas, mamãe também, que se identificaram com a jovem Ada, a pianista muda aprisionada em seu silêncio, em O Piano, um belo filme, aliás, mas um grande caldo de cultura para suspiros e soluços. O Piano é o retorno da jovem lamartiniana introvertida que se apaixona pelo belo e sensual animal que é Harvey Keitel, uma espécie de aborígine branco, ou melhor, de maori (porque estamos na Nova Zelândia) que conhece um piano de cauda. Não é uma reunião fácil, mas funciona no filme. No século XIX, o romantismo encontrou domicílio nos sanatórios para construir templos para uma nova divindade feminina: a tísica (a tuberculosa). Esta é a história de A Dama das Camélias. Aparentemente, a tuberculose não a matou.

Jogos Paraolímpicos: O Importante é Participar

– Não vamos sobrecarregar as meninas. Essa é uma questão de todos. Veja, eu sou obrigado a ter paixão por esportes para deficientes. Bem, eu não consigo, mas realmente não consigo. Mas é proibido dizer isso. Esportivamente falando, não há nada de interessante em um jogo de basquete em cadeira de rodas. Quem afirmar o contrário está mentindo, não dá para ir de Michael Jordan a isto, impossível, ou se está tenta. Uma coisa é fazer isso para os deficientes, eles têm mil razões para querer, mas impor isso ao público não. E o que falar dos Jogos Paraolímpicos? Francamente, se eu tenho que dar minha opinião sobre estes Jogos Paraolímpicos, o importante para mim é não participar neles! OK, estou indo embora.

O truque com a sociedade inclusiva é que ela só funciona com o custo da exclusão da maioria, que paga por um serviço público, social e esportivo ao qual ela tem cada vez menos acesso. Veja como as coisas estão indo em nossa vila, pode-se fechar todas as turmas que se queira, desde que haja vagas para deficientes nas escolas das grandes cidades. Pode-se fechar todas as nossas estações, desde que haja uma estação suburbana com uma rampa de acesso para deficientes. Pode-se fechar parques infantis, deixar as calçadas abandonadas, deixar falir um negócio atrás do outro (o que de qualquer forma os elevaria ao padrão), desde que haja instalações esportivas para deficientes nas grandes cidades. A mesma coisa com médicos, camas de hospital, meios de transporte? De nós eles tiram os ônibus diretos, para nós eles dão estações de ônibus a 30 km de distância da casa, sem lugar para estacionar se não tivermos o crachá mágico.

Amanhã, Todos Deficientes?

– Está tudo manipulado, está tudo truncado nesta história. O governo, as associações manipulam as estatísticas; os números de pessoas deficientes são desproporcionalmente inflados. Para dramatizar, para fazer as pessoas se sentirem culpadas, para produzir um efeito surpreendente sobre o público. Sophie Cluzel, que é a secretária de Estado para Deficientes de Édouard Philippe, quer que acreditemos que um francês em cada seis é deficiente, ou 12 milhões, diz ela, antes de acrescentar num tom sombrio que ela leva em conta tanto fatores diretos quanto indiretos. Mas o que é uma deficiência indireta, pergunta o ministro? Uma pessoa intermitentemente deficiente? Um cuidador? Por que contar os cuidadores aqui quando eles não são contados em nenhum outro lugar? Os oncologistas e o pessoal médico estão contados entre o número de pacientes de câncer na França?

Aqui, como em outros lugares, a administração se dedica a um de seus esportes favoritos: a reatribuição estatística. Isto significa que não nos banhamos apenas na melodramatização, mas também na aproximografia. As pessoas válidas ingressam nos computadores do INSEE e saem inválidas. As associações brandem como um pano vermelho as cifras que datam de 2007, de uma pesquisa complementar do INSEE realizada em base declarativa (olá metodologia, mas como aqui não há professores Raoult para dar uma aula, façamos silêncio). Naquela época, havia 9,6 milhões de pessoas na França alegando ter tido um problema de saúde por pelo menos seis meses (qual?), encontrando grandes dificuldades em sua atividade diária (quais?) ou tendo sofrido um acidente de trabalho durante o ano (se recuperaram?) O INSEE tem o cuidado de reconhecer que esta é uma “definição muito mais ampla da população deficiente”. De qualquer forma, ela foi tomada como verdade absoluta por associações, políticos e jornalistas.

12 Milhões de Pessoas Deficientes, e eu, e eu, e eu!

– A deficiência segue o caminho traçado por todas as culturas minoritárias, marginais, transversais, sublunares, exóticas, lamurientas, “oprimidas”. Ela deu origem aos Disability Studies (“disability”, em inglês, significa invalidez, deficiência), baseados no modelo dos Cultural Studies, que estudam a deficiência em termos da “discriminação” a que ela dá origem nas sociedades opressivas – as nossas – todas dominadas por pessoas que não são deficientes. Note de passagem a definição negativa que nos é dada para que não tenhamos que recorrer ao vocabulário estigmatizante da normalidade. Eu passo por cima do processo do eufemização (de surdo para pessoa com deficiência sensorial, etc.), mas observe como a surdez redefiniu a ordem de positivo e negativo: há agora os deficientes auditivos, que se definem pelo que são, e os não deficientes auditivos, que se definem pelo que não são. É um mundo de cabeça para baixo, não acha?

As pessoas que usam esta novilíngua inventaram até mesmo uma espécie de racismo anti-deficiente. Chamam de capacitismo (ou validismo), tudo isso são preconceitos e discriminações contra pessoas com deficiência (invalidez). É claro que é a sociedade perversa que é capacitista, já que ela organiza seu sistema de normas e valores para pessoas sem deficiência – pessoas normais, portanto. Mais uma razão para acabar com a normalidade (incluindo as normas corporais). A norma é descrita como excludente, quando ela é precisamente inclusiva. Esta é sua função principal, incluir, ao excluir o que está fora de seu escopo, característica próprio a todos os grupos sociais.

Orgulhoso de Ser Deficiente

– O objetivo é o “glad to be disabled person”, feliz por ser deficiente. A famosa reversão do estigma! Só que esta reversão tem um preço: as maiorias sacrificadas, sucateadas. Isso não importa, já que não haverá mais deficiências, apenas diferenças. Sim, sim, é claro. Mas a deficiência continuará sendo uma deficiência, não menos um sofrimento, para a pessoa deficiente, para seus entes queridos.

Ontem, os deficientes tiveram que se adaptar à sociedade. Hoje é a sociedade que tem que se adaptar a eles. Ao longo do caminho, passamos da assimilação à integração, depois da integração a uma sociedade inclusiva, onde todos encontrarão seu lugar, onde ninguém ficará de fora, onde tudo será acessível a todos e todos estarão abertos a tudo. A sociedade inclusiva é assimilação em sentido inverso. Enquanto não estivermos em condições de nos colocarmos no lugar dos deficientes, eles continuarão a ser discriminados.

Beethoven na Língua dos Surdos, como soa isso?

– Nada contra a linguagem de sinais, mas ela não se destina a invadir o espaço público. Devemos nos lembrar do desastre que foi – e ainda é – o método global nos jardins de infância importados diretamente do que seu fundador chamou de aprendizado para os “irregulares”. O inferno inclusivo está pavimentado com boas intenções. Também vale a pena lembrar a recomendação de Claude Lévi-Strauss: existem surdezes protetoras. Beethoven não incomodou ninguém com sua surdez. Se ele tivesse composto sua Nona Sinfonia em linguagem de sinais, soaria como Boulez ou Gilbert Montagné. Se o Professor Girassol falasse em linguagem de sinais, ele não mais quebraria os ouvidos do Capitão Haddock e o faria rir. Vamos parar de choramingar. Você não é mais um bebê! Então por que os adultos continuam agindo como se ainda fossem? Na idade deles, de qualquer forma!

Fonte: Éléments

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François Bousquet

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