O presidente da Nova Resistência, Raphael Machado, conversou em abril desse ano com a publicação dissidente italiana Il Pensiero Forte sobre a nossa organização, sobre a situação política brasileira e sobre a presidência de Bolsonaro. Veiculamos aqui a entrevista que resultou dessa conversa.
Se apresente e apresente sua organização: como ela é articulada, desde quando ela existe e qual é seu tamanho. Quais são os desafios de fazer política em um país de dimensões continentais?
Primeiramente, gostaria de agradecer a oportunidade. Eu sou Raphael Machado, brasileiro, advogado e tradutor, e lidero a Nova Resistência. A Nova Resistência é uma organização nacionalista revolucionária, cujo objetivo é implementar uma ordem comunitarista em nosso país, construída nos termos de uma “quarta teoria política”.
Nossa organização foi fundada no final de janeiro de 2015, no Rio de Janeiro, e hoje conta com mais de 250 membros espalhados pelas cinco regiões do país. Nossa organização possui dois níveis de estrutura. No âmbito da militância, ela opera através de células locais. Em outras palabras, onde houver um número razoável de membros se pode construir uma célula, e esta célula faz parte de uma célula estadual mais ampla, que por sua vez é parte de uma célula regional ainda mais ampla, compondo a organização a âmbito nacional. Ainda que estejamos longe disso, a ideia seria de haver até mesmo células de bairro, de vizinhança. No âmbito operacional possuímos além das células, diversos departamentos especializados, responsáveis por administrar redes sociais, por produzir material gráfico, por cuidar das finanças, etc.
Como é possível de imaginar e visualizar, o tamanho do Brasil é um desafio imenso. Nossa organização até pode possuir um número de membros razoáveis para uma organização dessa orientação na América Latina, especialmente nos tempos de hoje em que os jovens da “cena dissidente” preferem a internet e os memes. Mas são membros geográficamente dispersos, e que por isso precisam improvisar ou priorizar o trabalho de recrutamento. É uma grande dificuldade reunir camaradas para eventos e ações, mas tentamos compensar o problema das distâncias de outra forma. O fato de ser um país econômicamente subdesenvolvido, com infraestrutura precária, piora ainda mais. Para não falar no fato de que o nível socioeconómico de nossos camaradas é majoritariamente do proletariado e pequena classe média. Para irem a nosso Congresso Nacional (para o qual, conseguimos reunir 50 dos nossos) no ano passado houve camaradas que tiveram que desembolsar o equivalente ao salário mínimo nacional.
Quais são as vossas principais raízes e inspirações ideais, e vosso paradigma político?
Nosso paradigma metapolítico ou político-filosófico é a chamada “quarta teoria política”, tal como apresentada pelo filósofo russo Aleksandr Dugin. Mas, naturalmente, o que nos interessa é utilizar esse paradigma como uma ferramenta que nos permita desenvolver uma ideologia autóctone que preencha os requisitos necessários para confrontar o liberalismo em sua atual fase pós-moderna, o chamado pós-liberalismo, hegemônico na maior parte do mundo hoje.
Para nós, o ponto de partida no Brasil é a ideologia do trabalhismo, desenvolvida nos anos 30 por Getúlio Vargas. O trabalhismo foi, depois, herdado por João Goulart, o presidente derrubado pelo golpe militar em 64, e finalmente por Leonel Brizola, que não chegou a gobernar o país. Dentro do esquema teórico duginiano, o trabalhismo seria caracterizado como uma ideologia de “terceira teoria política”, caso semelhante ao do peronismo argentino.
Como uma ideologia moderna, como uma expressão nacional do “fascismo” genérico, o trabalhismo tinha as suas deficiencias teóricas e práticas e por isso fracassou. Hoje, parte considerável dos que se dizem seus adeptos fazem parte do carnaval de horrores da esquerda liberal, e reduzem a dimensão do trabalhismo à esfera econômica, esquecendo, ignorando ou ocultando intencionalmente, as suas raízes católicas, conservadoras.
O que queremos, portanto, é utilizar as ferramentas duginianas (e outras) para construir uma crítica do trabalhismo que nos permita fazê-lo avançar de uma “terceira via” para uma “quarta via”, adequada para confrontar os desafíos típicos da pós-modernidade pós-liberal.
A eleição de Bolsonaro foi positivamente saudada pela direita italiana, assim como Lula se converteu em ícone para setores da esquerda. Como você vê a situação política no Brasil, e quais são os principais desafios que vocês têm que enfrentar?
Nós fizemos, em 2018, uma análise sobre a vitória eleitoral de Bolsonaro. Essa análise foi, inclusive, veiculada fora do Brasil por varias publicações, como a revista italiana Eurasia, do Claudio Mutti. Nós compreendemos as razões pelas quais forças conservadoras, “nacional-populistas” ou soberanistas do exterior saudaram a vitória de Bolsonaro. Aconteceu o mesmo com os próprios eleitores de Bolsonaro, que votaram nele, comemoraram sua vitória, mesmo quando seu programa era claramente antitético aos intereses da maioria da população. E afirmo isso não como especulação, mas segundo pesquisas de opinião, a maior parte do eleitorado de Bolsonaro é contrario aos pontos específicos de seu programa.
Para além de “trollar” a mídia de massa tradicional (estratégia provavelmente influenciada por Steve Bannon), não há nada particularmente conservador ou soberanista em seu governo. Para cuidar da economia, ele colocou um “chicago boy”, Paulo Guedes, que nos anos 90, como fundador do banco BTG Pactual, era o banqueiro de George Soros no Brasil (sem conspiracionismo). Seu projeto econômico é o mais privatista que já tivemos. Sob seu governo se aprovou uma reforma previdenciária calamitosa, que vai fazer inúmeros idosos trabalhar até a morte.
No âmbito moral, para além de discursos moralistas e alguns acenos, nada foi feito. A pandemia está fazendo mais pela moralidade nacional do que Bolsonaro. No ano passado, já sob seu governo, o Brasil viu imensas paradas gay, esse ano não haverá nada disso. Qualquer “conservadorismo” que ainda não tenha compreendido que o principal motor do liberalismo cultural é o capital, e seus principais agentes são as grandes corporações, as ONGs e as Fundações, é inútil.
A situação brasileira, nesse momento, é terrível. Estamos há 30 anos passando por um processo de desindustrialização, e agora estamos nos níveis industriais do período da República Velha, no início do século XX. A população, porém, simplesmente não entende o que está acontecendo. Seria complicado dizer “qual é o problema do Brasil”, é tudo. O presidente, agora, possui apoio de uma minoria fanática de 25-30% do eleitorado. Não obstante, ele não cai.
Os militares, que possuem seu próprio projeto de poder, são apenas um pouco melhores que Bolsonaro. Eles também são defensores da austeridade econômica e americanófilos, só não são tão sionistas. E, do outro lado, existe a ameaça do retorno do Partido dos Trabalhadores, que hoje à despeito de suas relações externas interessantes no passado, é apenas uma agremiação liberal-progressista, bem como a tentativa de construção de um “Macron brasileiro”, um centro liberal-libertário, na figura de Luciano Huck, empresário do setor do entretenimento.
Como você vê a situação da América Latina e quais são as suas perspectivas de integração continental?
A América Latina tem passado nos últimos 2 anos por uma avalanche neoliberal e reacionária, com a queda de governos que se poderia qualificar, mais ou menos, como parte de uma “esquerda patriótica” e sua substituição por neoconservadores ou tecnocratas centro-liberais. Tudo isso é parte do “recuo do Império”, conforme os EUA perde ou abandona posições e áreas de influência na Ásia e no Oriente Médio. Os EUA querem garantir o continente americano como bastião impenetrável, para fazer um controle de danos por conta do fim do momento geopolítico unipolar.
Isso quer dizer, que a partir de agora, os EUA estarão dando mais atenção à América Latina, tornando tudo mais difícil.
Quanto à integração continental, ela é tão necessária quanto complicada. Não há nenhuma figura política relevante, hoje, que pense nesses termos. E, sejamos sinceros, “integração econômica” não basta, não é isso que está em jogo. Não é o “interesse econômico”, ou as “vantagens comparativas” que devem nos nortear. A América do Sul deve se integrar como polo civilizacional, dotado de um destino específico, expressão de um certo “Dasein coletivo”, não para discutir quem vai exportar e importar tal ou qual commodity. E quem pensa nesses termos em nosso continente? Com exceção de alguns pensadores como Alberto Buela e Marcelo Gullo, bem como de alguns grupos militantes de varios países, ninguém.
Não obstante, faremos nossa parte. Queremos fortalecer a integração entre movimentos disidentes de nosso continente, realizar algum Congresso, construir uma plataforma comum, talvez no futuro, quem sabe, construir algum tipo de estrutura política comum. O futuro está aberto.
Fonte: Il Pensiero Forte