Escrito por Roberto Bonuglia
O mundo vivia o auge do consumismo em janeiro de 2020. Os padrões de consumo eram os mais insustentáveis possíveis, e isso sendo que o mundo inteiro já estava em uma maré de estagnação econômica. A pandemia mudou tudo. Os padrões de consumo não ficaram incólumes. As pessoas passaram a pensar mais antes de comprar, passaram a escolher melhor, a calcular mais, a comprar menos. Considerando que o consumo é um dos principais motores do capitalismo, esse golpe ao consumismo pode abrir passagem para uma superação do capitalismo?
O capitalismo, sabemos, se configura como um sistema econômico que visa um crescimento exponencial e incessante. É assim porque se baseia essencialmente em duas hipóteses: a de que as pessoas sentem um desejo ilimitado de desfrutar cada vez mais de bens e a de que a Terra é um planeta com recursos ilimitados que, como tal, não impõem limites ao crescimento.
A Covid-19 e – acima de tudo – suas conseqüências colocaram ambas as suposições em crise. As escolhas dos consumidores tornaram-se, de fato, cada vez mais meditadas, prudentes, verificadas. As inseguranças e ansiedades psicológicas resultantes da pandemia, bem como suas repercussões econômicas no cotidiano das pessoas, desencorajaram as compras mais impulsivas: o tempo de reflexão antes de comprar qualquer mercadoria desnecessária se dilatou.
Não é mais uma questão de satisfazer a necessidade de se sentir radical chic comprando detergente de torneira ou alimentos orgânicos para lavar a consciência ou se tornar vegano por moda. A inversão de tendências já em curso, desta vez, é algo muito diferente.
O coronavírus nos obrigou a viver uma “nova” fase na relação entre pessoas e bens. Desde a revolução industrial do século XIX, por outro lado, os cidadãos se tornaram consumidores e o consumo se impôs como um modo de vida em comparação com a parcimônia. Um processo que certamente não poupou nos excessos: das hipotecas solicitadas para sair de férias à correria para comprar as roupas assinadas pelas marcas mais em voga, das lfilas noturnas para garantir o último iPhone à pesquisa efêmera da Cocoon sobre cirurgia cosmética. Em agosto de 2018 Hanna Kozlowska – a repórter investigativa da Quartzo – relatou em um artigo que “Shoppers are buying clothes just for the Instagram pic, and then returning them”. [Os consumidores estão comprando roupas apenas para a foto do Instagram, e depois as devolvendo]. Era o mundo pré-Covid-19 e a crise econômica – já em andamento – induzia as pessoas a “comprar roupas para um evento extravagante, esconder as etiquetas e devolvê-las à loja no dia seguinte”. Um caso exemplar, em resumo, que destacava o nível de hedonismo ao qual o consumismo havia levado o consumidor.
A Covid-19, agora, com a perda do emprego de milhões de pessoas, atuará como um multiplicador da prudência nas compras e dos estratagemas para satisfazer a propensão ao consumo, passaremos a um inevitável “anticonsumismo”. Esta é a tese do último livro de Philip Kotler (Brand Activism. From Purpose to Action, Hoepli) que será publicado na Itália em setembro: os consumidores gastarão menos, a desaceleração econômica resultante levará a mais desemprego e muitas pessoas serão forçadas a buscar melhores equilíbrios entre família, trabalho (sempre menos) e tempo livre (sempre mais). Segundo Kotler, muitas pessoas passarão da dependência do materialismo para a percepção de outras formas de levar uma boa vida. Em outras palavras, ao pós-capitalismo.
Isso deve ser caracterizado pelo resultado de cinco diferentes tipologias de ativistas: os simplificadores da vida, pessoas que querem comer menos e comprar menos; os ativistas do decrescimento, que acreditam que muito tempo e esforço são investidos no consumo; os ativistas climáticos; os seletores de alimentos saudáveis, que se tornaram vegetarianos e veganos; e, finalmente, os ativistas da conservação, que argumentam que os bens existentes não devem ser destruídos, mas reutilizados, reparados, adaptados ou distribuídos às pessoas necessitadas.
Essa é uma análise que sofre de um certo otimismo subjacente, desejável, mas difícil de ser compartilhada em sua totalidade, especialmente nestes tempos. Mas uma coisa é certa, o que parece plausível no momento é que entre as vítimas do Covid-19 talvez não possamos contar o capitalismo em si, mas é certamente provável que ele seja repensado. Se isto realmente acontecer, certamente seremos os primeiros a agradecer ao coronavírus.
Fonte: Il Pensiero Forte