“O conflito entre a vida e o sustento é mais preocupante”
Os ganhadores do prêmio Nobel Abhijit Banerjee e Esther Duflo concordam que o caminho que está sendo seguido com os efeitos devastadores da epidemia do coronavírus está salvando vidas em um futuro imediato. O desafio, é claro, é tentar garantir que os esforços não cheguem a uma crise econômica tão grande que possamos perder os meios de subsistência. Em uma discussão entre eles, organizado pela Juggernaut Books para o #readinstead Lit Fest, os economistas destacam algumas das principais perguntas que nos confrontamos agora – as dúvidas causadas pelas incertezas, a insustentabilidade da quarentena, a dificuldade de obter números reais, a fabricação doméstica de ventiladores e por que a Índia precisa “se tornar keynesiana”.
Trechos
AB: Olá, sou Abhijit Banerjee.
ED: …e eu sou Esther Duflo.
AB: Estamos aqui para falar sobre o impacto da Covid na economia mundial e o que podemos fazer sobre isso. Vou começar fazendo algumas perguntas a Esther.
Esther, o que você acha ser o maior e mais importante problema? E eu quero duas respostas, uma para o agora e outra para o ano seguinte.
ED: O maior problema agora é salvar vidas humanas e, a curto prazo, será sobre a volta ao trabalho. E a médio prazo, voltar à economia normal. As medidas que estamos tomando agora para salvar estas vidas, não pode nos levar à uma crise econômica tão grande que possa nos fazer perder os meios de subsistência.
AB: Então qual é solução que você propõe?
ED: Neste momento, podemos ouvir o que o médico nos diz ou tentar dar sentido ao que o médico nos diz. Sabemos que é ruim e sabemos que não temos cura, e quem diz que tem cura está mentindo. As pessoas estão trabalhando para a cura, mas isso levará tempo. Tudo o que podemos fazer é nos isolar. Outra coisa que podemos fazer é ter uma boa higiene, principalmente na lavagem das mãos. Desta forma, se entrarmos em contato com pessoas afetadas, podemos impedir uma transmissão.
AB: É extremamente difícil para as pessoas continuarem a praticar um estilo de vida das quais não estão acostumadas. Por quanto tempo? As pessoas não estão trabalhando, não estão ganhando, não estão saindo, não estão encontrando seus entes queridos. Isso é um plano realista para se sustentar por seis meses? Você não acha que isso poderá gerar problemas?
ED: Seria insustentável por duas semanas. Quase certo de que seria insustentável por seis meses. No topo das incertezas causadas por esse vírus, existem essas incertezas causadas pelas próprias incertezas. Agora estou voltando a questão para você. Se você estivesse no comando, dos EUA, para começar, quando você teria iniciado esse toque de recolher e todas as restrições? Você faria isso ou não?
AB: É uma decisão difícil. O modelo diz cinco meses e é baseado em números que as pessoas tiraram do nada. Cinco meses para a estratégia de desligamento total. É assustador pensar nisso. Uma opção realista é escolher uma janela mais curta, contornar o pico e garantir que o ele não seja tão ruim. Manter essa janela significativamente curta e mais focada. Não o que faria se estivesse no banco do carona, porque isso envolve fazer uma escolha que deixaria algumas pessoas morrerem. Mais pessoas morrerão no cenário em que fechamos tudo mais tarde, a menos que acreditemos que a coisa toda seja insustentável. Então, é claro… Esse deve ser o caso em muitos países, porque cinco meses fechados significa que as pessoas deixarão de acreditar que exista alguma tática. É uma troca entre salvar vidas com um enorme custo de execução e um enorme custo para a economia… Possivelmente é mais fácil salvar a economia… Eu não sei. Eu não diria que teria uma escolha fácil. Mas voltando à questão, como você sabe que existe alguma modalidade? Tudo isso depende de quantas pessoas estão infectadas e se sou sintomático. Se existem muitas pessoas infectadas assintomáticas, estamos mais próximos da imunidade do que pensamos. Se os números de infectados forem fechados a 100 milhões do que um número menor.
ED: É difícil conseguir os números. Sabemos com certeza o número de mortes? Nós não sabemos por que não conseguimos contá-los sistematicamente. Na França, de onde eu venho, quem morre em casa não é contado como vítima do vírus, somente se você morrer em um hospital que você é contabilizado como vítima.
AB: Não conta? Na Índia, qualquer pessoa que morra, uma pessoa idosa não será diagnosticada.
ED: Na França também não sabemos o número de mortes e subestimamos o número de pessoas infectadas. Portanto, não temos a taxa de mortalidade. As taxas de mortalidade variam muito e de país para país. Em alguns países da Europa, como a Suécia, temos uma taxa de mortalidade de 0,5% e na Itália, uma taxa de mortalidade de 10%. Tudo depende de descobrir por que há uma diferença entre os dois países.
A situação otimista é com a taxa de mortalidade em que podemos trabalhar o reverso para vinculá-la à taxa da população; assim podemos descobrir a taxa de imunidade.
A situação pessimista é que a taxa de mortalidade reflete a falta de assistência médica na Itália. Existe alguma verdade nisso, não há camas suficientes nos hospitais. Em parte, a alta taxa de mortalidade é explicada aí.
AD: E a Índia?
ED: Eu esperava te perguntar isso.
AD: Pegue a fração de pessoas gravemente doentes. Com um país do tamanho da Índia, milhões e milhões de pessoas …
ED: Se conhecemos tão pouco da Europa e dos EUA, sabemos menos ainda sobre a Índia ou outros países. Quando o clima fica quente e úmido, não sabemos como responderá. É um novo vírus e sabemos muito pouco sobre isso. Também sabemos pouco sobre a Índia. Nós sabemos sobre a densidade populacional. Sabemos que algumas pessoas têm diabetes e asma e outras têm problemas de pressão arterial. Existem variações nas regiões e no estilo de vida. Sabemos muito pouco. Há poluição nas cidades indianas, me disseram que a poluição afeta os pulmões, o que aumenta o problema. Portanto, não sabemos como tudo isso será afetado.
AB: A boa notícia é que a Índia é um país extremamente jovem. A idade média é de cerca de 28 anos.
ED: Essas são as boas notícias. Depois há o sistema de saúde, que já está sob tensão e pode não ser capaz de lidar com pressões adicionais. A maioria das pessoas recebe a maior parte dos cuidados dos prestadores, esses que nem sempre são qualificados.
Eles são bem intencionados e fazem o seu melhor. Mas a menos que sejam treinados para identificar os casos de Covid-19 e a menos que não tenham capacidade…
AD: Eles não têm ventiladores.
ED: Sim, não há ventiladores e isso é assustador na Índia.
AB: Em toda a Ásia.
ED: Sim, mas na África existem poucos prestadores e as pessoas não estão acostumadas a ir a eles. Podemos pensar em prestadores credenciados e treinamento on-line. Na Índia, ainda há muito para chegarmos a isso.
AB: Não sabemos quem são eles, não há banco de dados. Eles não deveriam existir. Em Bengala Ocidental, eles decidiram se envolver com eles. Mas não sabemos quem são eles. Então, é difícil se envolver.
ED: Posso fazer uma pergunta? Em Bengala Ocidental, como você usaria esses prestadores nesta crise?
AB: Eu vou responder a esta pergunta. Mas eu gostaria de voltar à economia mundial.
Sim, podemos usá-los. Eles são capazes de serem treinados. Vimos alguma evidência disso. Temos que treiná-los. Muitos deles estão no WhatsApp. Podemos enviar um vídeo para eles explicando o que deve ser feito. E o mais importante, podem ser usados como informantes que podem relatar onde estão os nichos e quais vão explodir. Em seguida, os ventiladores podem ser levados para lá. O bloqueio atual diminuirá a propagação. Portanto, o sistema de relatórios nos dirá quais locais foram seriamente afetados e quais não foram, mas podem ser infectados.
Podemos então usar o sistema de saúde de maneira mais eficaz. Uma equipe de SWAT móvel, se médicos, enfermeiros e equipamentos puderem alcançar os pontos com base nessas informações.
ED: Uma pergunta rápida. Precisamos de equipamentos para testar. A Índia será um bom lugar para fabricá-los.
AB: Os direitos de propriedade deverão ser classificados primeiro. Alguém deve comprar esses direitos. Aqui está um bilhão de dólares. Qualquer um deve ser capaz de fabricá-los, é a situação ideal para uma compra.
ED: De volta à economia mundial. Vimos que há um conflito entre a vida e os meios de subsistência. Esta é a questão mais preocupante do nosso tempo. Como você se sentem relação a isso?
AB: Não vou dizer como me sinto em conflito. O mais importante é reconhecer que ninguém vai levar isso para sempre. Imagine se um governo conseguir fornecer PDF grátis eficaz, isso não será suficiente. Em um país como a Índia, se o governo disser que há comida de graça nos próximos seis meses, as pessoas não aceitarão. As pessoas estão acostumadas a uma vida melhor. A sustentabilidade é uma preocupação importante.
A quarentena é curta e sensata. Espero que isso tenha algum efeito lento e então você tem que ir liberando as pessoas. E você tem que fazer uma estratégia mais direcionada, pontos de acesso, etc. Supomos que teremos que travar uma batalha de cerca de seis meses. Supomos que não haverá muito dano. Mas a economia mundial estará em queda livre. Os países ricos estarão em um bloqueio. Eles não vão comprar nada. A economia mundial inteira vai encolher. Isso é um dado completo. Vamos ver uma recessão massiva.
A questão é, de certa forma, isso é uma recessão porque não é motivada por pessoas ricas perdendo sua renda e pessoas de classe média perdendo sua casa? Haverá um pouco de folga e, quando isso acabar, as pessoas começarão a comprar?
Eu acho que isso é cada vez menos provável. Os mercados de ações entraram em colapso. A renda da classe média diminuiu. Não haverá um boom de consumo no final disso. Portanto, precisaremos de políticas que possam manter o sistema funcionando. Reviver a demanda. As pessoas perderam tanta renda e tanta riqueza que se sentam no que têm e não gastam. Essa é a principal preocupação.
É o fim da Segunda Guerra Mundial e as pessoas vão começar a comprar coisas ou é o meio da crise de 2009 e as pessoas têm medo de gastar? Eu não sei a resposta para isso. Mas sou pessimista. Se isso é uma intervenção, é o caminho a seguir.
Eu acho que na Índia estamos sendo muito conservadores. Os preços do petróleo estão baixos. Imprima algum dinheiro e não pense em inflação. Precisamos ser quantitativos, e em grandes somas.
ED: A questão é como conseguir dinheiro para as pessoas.
AB: Nos EUA também. Este é um momento para se tornar selvagem. Se torne keynesiano.
Fonte: The Telegraph