A poesia de Aldir Blanc era, apesar de feita para ser musicada, muito próxima da poesia criada para páginas de livros. Essa era a maior característica, nem todos perceberam isso, de sua arte. A poesia de Aldir era a encruzilhada artística entre diferentes tradições: poesia moderna e samba. Algo que, como ele, só poderia nascer na zona norte do Rio. Nascido no Estácio e garoto de Vila Isabel, terra de Noel Rosa, um de seus mestres, Aldir Blanc abandonou uma segura carreira como médico pela vida boêmia de um poeta e cronista das ruas. Não só por gosto, mas também por convicção de que o linguajar próprio da sociabilidade dos bares e rodas de samba se encontrava no coração de sua cultura.
As letras de Aldir sempre carregaram uma fina ironia oswaldiana na descrição das cenas populares. Também apresentavam forte influência bandeiriana, nas narrativas que parecem saídas das páginas de jornais. Há também certa amargura drummondiana, em sua típica síntese de lirismo e sarcasmo. Em alguns momentos, há também ecos de João Cabral de Melo Neto, no experimentalismo de certas letras. Mas todas essas referências são retrabalhadas no samba de Noel Rosa, Donga, Wilson Batista e Geraldo Pereira. A verdadeira beatitude do poeta estava no Salgueiro [“Quando eu deixar o Salgueiro/Sinto que o céu não irá me agradar/Pois não basta o paraíso inteiro/Pra saudade que o Salgueiro dá] e no Vasco [“Se for para a Segunda Divisão, sou Vasco. Se for para a Terceira, sou Vasco. Se o Vasco acabar, ainda sou Vasco”], clube sobre o qual escreveu um livro –, identidades que ele fazia questão de proclamar. Essa alma brasileira, fortemente fincada em suas raízes, se nutriu com Caymmi e também com bolero, com samba e também com jazz, para ele mesmo se tornar alimento das carreiras magistrais de Elis Regina, Ivan Lins, Beth Carvalho e Nana Caymmi.
Essa inusitada junção de influências permitiu que Aldir, durante a ditadura militar, não se tornasse poeta de um pseudo-messianismo acomodado, como no caso de outros nomes da canção brasileira. Assim podemos entender a atualidade de dois hinos da resistência: Mestre-sala dos Mares e O Bêbado e a Equilibrista. Declarava que a rebeldia contra o politicamente correto era uma das chaves para o entendimento de suas músicas, mas também fazia questão de lembrar que “sem a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro não existiria nenhum compositor popular chamado Aldir Blanc. Devo tudo a ela.
De um lado, a essência do samba e um imaginário de malandragem, do subúrbio, do sexo e do crime. Do outro, uma poética modernista que destrói todas as mitigações, valoriza a gíria e o falar popular urbano. Esses são os pilares que sustentam a desconcertante habilidade narrativa desse poeta carioca.
Sua obra se assemelha a um ciclo de rapsódias que canta uma rica mitologia cultural do Brasil, cujos heróis “são pais de santo, paus de arara, são passistas, são flagelados, são pingentes, balconistas”. As histórias de Blanc são alimento de uma memória popular nacional.