A situação da Cisjordânia vem se tornando cada vez mais complicada em meio à pandemia do coronavírus e às disputas territoriais entre palestinos e israelenses. A princípio, a Autoridade Palestina e Israel demonstraram sinais de cooperação no combate à pandemia. Há poucas semanas, foram anunciadas medidas conjuntas entre ambos os lados para a contenção da epidemia do novo coronavírus na região. As medidas incluem distribuição de materiais de limpeza e higiene pessoal, além de kits de testes para o vírus e materiais médicos diversos.
Por parte de Tel Aviv, foi promovido o fechamento total da Cisjordânia, permitindo, porém, o acesso de trabalhadores palestinos envolvidos nos setores de construção e agricultura ao Estado Judeu, razão pela qual a proposta foi bem aceita por Ramallah. Por parte dos palestinos, a Cisjordânia foi também bloqueada, porém apenas parcialmente e por duas semanas, desde o último domingo (22 de março), além da implementação de uma série de medidas rigorosas de controle de epidemias.
Contudo, os esforços na contenção da pandemia não têm evitado as incursões israelenses na região, que têm aumentado. Ibrahim Melhim, um porta-voz da Autoridade Palestina, reconheceu os esforços israelenses para conter o coronavírus no país e na Palestina, mas criticou as imparáveis incursões contra os palestinos. Em suas palavras: “We have very strong round-the-clock coordination with the Israeli side to prevent the coronavirus from spreading (…) At the same time, Israel continues to operate in the Palestinian Territories as if there is no coronavirus crisis (…) They [Israeli forces] continue their raids across the West Bank, arresting people and confiscating lands, and that harms the existing coordination between the PA and Israel putting an additional burden on the Palestinian Authority”.
Ao que parece, Israel finge colaborar com a Palestina na contenção da pandemia, quando, na verdade, promove livremente suas manobras militares na região, que passam despercebidas pela grande mídia, fortemente concentrada na cobertura da tragédia viral. Ainda, a própria colaboração de Tel Aviv para o controle do COVID-19 na região parece extremamente limitada. As medidas de bloqueio impossibilitaram, por exemplo, o trânsito de médicos da “Physicians for Human Rights”, uma ONG israelense que atende palestinos gratuitamente e que havia sido convidada pelo Primeiro Ministro Muhammad Shtayyeh para trabalhar voluntariamente na Cisjordânia após a remoção de pacientes palestinos dos hospitais israelenses.
Há também de se mencionar o fato de que é Israel, não a Palestina, o grande foco de infecções pelo novo coronavírus na região. Israel já possui mais de mil casos oficialmente reportados da doença, além de uma morte, e diversas suspeitas. A Palestina possui, em contrapartida, em torno de 60 infectados. Percebe-se, apenas com estes dados, como as medidas de contenção mais rigorosas deveriam partir exclusivamente de Ramallah, dado que a própria presença militar israelense na região representa por si mesmo um grave risco à saúde pública palestina.
Segundo uma pesquisa do Instituto Truman para Paz da Universidade Hebraica de Jerusalém, 63% dos israelenses afirmam que Israel deve ajudar os palestinos durante a crise do coronavírus. Vered Vinitsky-Serousse, presidente do Instituto, afirmou que “a maioria dos israelenses acredita que, quando houver necessidade, o governo deve traçar medidas preventivas para ajudar os palestinos durante a epidemia da Covid-19”. O grande problema, porém, está na forma como tais manobras conjuntas são conduzidas. Talvez o primeiro passo a ser dado para o estabelecimento de medidas conjuntas seja o fim definitivo e imediato das incursões militares na região, que levam constantemente insegurança e terror ao povo palestino.
A situação das tensões na região deve ainda ser lida no contexto do chamado “Acordo do Século”, a proposta de “paz” para o conflito entre israelenses e palestinos anunciada pelo Presidente Americano Donald Trump. O “acordo” foi celebrado unilateralmente pelo eixo Washigton-Tel Aviv, sem participação alguma de palestinos, razão pela qual foi rejeito pela Autoridade Palestina e pela Liga Árabe. No documento havia a previsão da anexação dos assentamentos israelenses na Cisjordânia, deixando sob o domínio palestino cerca de 70% da região – um número muito inferior ao proposto por todas as tentativas anteriores de acordo e resolução do conflito. Tudo indica que Israel não freará suas tentativas de ocupar o máximo possível aquele território.
É nesse contexto que as ações “conjuntas” entre israelenses e palestinos devem ser analisadas com ceticismo e desconfiança. De que adiantam medidas sanitárias e de contenção da pandemia, quando, por trás das mesmas, o Exército sionista expande sua ocupação na região com incursões cada vez mais agressivas? Ainda, até que ponto a Palestina se beneficia com a ajuda dessas ações conjuntas quando Israel apresenta um número absurdamente maior de infectados? Estaria Israel apto a ajudar os palestinos? Ou seria essa ajuda uma máscara para tais incursões militares? Todos estes são questionamentos válidos.
Vale ainda lembrar que, há poucas semanas, no final de fevereiro, Israel anunciou a construção de mais de 2 mil novos assentamentos em territórios palestinos – e na mesma ocasião, Netanyahu autorizou a construção de outros 7 mil na região de Jerusalém Oriental. Isso significa que há pouquíssimo tempo a agressividade israelense contra os palestinos estava aumentando consideravelmente. Teria esta agressividade realmente desaparecido dos planos de Tel Aviv ante uma comoção com a saúde pública na Palestina – que, frise-se, está muito melhor do que a situação da pandemia em Israel? Talvez a grande mídia e os observatórios da paz e dos Direitos Humanos devam dividir sua atenção entre a o coronavírus e o conflito na Palestina, antes que em pouco tempo eclodam confrontos mais graves.