De ontem para hoje faleceu aos 87 anos Pentti Linkola, pescador e ornitólogo finlandês, e o ecologista mais radical das últimas décadas. Foi a verdadeira antítese de Greta Thunberg. Enquanto Thunberg propõe um “capitalismo verde”, o radicalismo de Linkola não aceitava concessões. Nem capitalismo, nem tecnologia podem nos salvar. Há, simplesmente, gente demais no mundo. A mídia o acusava de “ecofascista”, e sob esse rótulo ele foi recentemente abraçado por legiões de jovens desiludidos com o sistema tecnocapitalista.
“Ao dizimar as suas florestas a Finlândia criou as bases para a prosperidade. Nós podemos agora agradecer à prosperidade por nos trazer – entre outras coisas – dois milhões de carros, milhões de brilhosas caixas de entretenimento eletrônicas, e muitas construções desnecessárias para cobrir a terra verde. A riqueza excedente levou à jogatina no mercado e a uma injustiça social fora de controle, pelas quais ‘as pessoas comuns’ acabam contribuindo para a construção de campos de golfe, hotéis cinco-estrelas, e resorts de férias, enquanto engordam contas em bancos suíços. Além disso, as pessoas de países ricos são as pessoas mais frustradas, desempregadas, infelizes, suicidas, sedentárias, inúteis e sem propósito na história. Que troca miserável”. – Pentti Linkola
Pentti Linkola está morto. Partiu aos 87 anos de idade durante o sono, tranquilamente. O nome é praticamente desconhecido no Brasil, a não ser entre os estudiosos do pensamento dissidente ou entre os adeptos das vertentes mais radicais do ambientalismo.
Pescador profissional e ornitólogo (pioneiro da ornitologia finlandesa, na verdade) Linkola se tornou um dos principais nomes da “Ecologia Profunda”, uma perspectiva ambientalista radical que enxerga o planeta como um organismo e interpreta o homem como uma parte interdependente e inextricável dessa totalidade natural.
Mas mesmo entre os chamados ecologistas profundos, Linkola era considerado uma das figuras mais radicais, a ponto de ser considerado o pai do “ecofascismo”, rótulo que ele rejeitava categoricamente. Para Linkola, o problema do mundo era o crescimento demográfico descontrolado e excessivamente rápido que o mundo viu ao longo dos últimos dois séculos, bem como a difusão do modelo econômico e tecnológico ocidental por todo o mundo.
Linkola nunca mediu palavras. Para ele, “tudo que desenvolvemos ao longo dos últimos cem anos deveria ser destruído”.
Se Linkola admirava regimes fascistas ou comunistas, era mais pelo seu potencial de “aliviar” o planeta de seu “fardo humano” do que por qualquer afiliação teórica específica. Uma postura excessivamente brutal? Talvez. Mas é que Linkola via no futuro uma calamidade total. Para ele, o homem estava dirigindo o planeta rumo a um desastre e nós não ficaríamos incólumes diante disso.
Se, para uns, dizer que há gente demais no mundo e que seria melhor que boa parte da humanidade morresse é cultuar a morte, para Linkola pensar assim significava amar a vida. Extremamente cordial, gentil e empático com todos, Linkola via a vida como um processo, como um contexto, uma totalidade, e não como uma soma de mônadas individuais. Às vezes, para salvar um filho doente um pai precisa cortar um braço ou perna infectado. Linkola amava a humanidade, mas considerava que o impacto de seu peso demográfico era grande demais, e se não fosse “podado” poderia acarretar uma extinção em massa que levaria nossa espécie junto.
Todo o amor de Linkola pode ser sentido em uma clássica reflexão hipotética sua: “O que fazer, quando um navio carregando cem passageiros subitamente naufraga e há apenas um bote salva-vidas? Quando o bote estiver cheio, aqueles que odeiam a vida tentarão enchê-lo com ainda mais pessoas, e afogarão todos. Aqueles que amam e respeitam a vida pegarão o machado do navio e cortarão as mãos extras que tentam se agarrar ao bote”.
Seu livro mais famoso, lançado em 2004, foi “Voisiko elämä voittaa”, lançado como “Can Life Prevail?” em inglês pela Editora Arktos, em nossa língua ficaria aproximadamente como “Poderá a vida prevalecer?”. Essa era a questão fundamental para ele. Como garantir que o ser humano possa seguir vivendo no planeta, vivendo de verdade, com qualidade, de uma forma sustentável que a neurose produtivista-consumista e tecnocrática torna simplesmente impossível.
Há poucas semanas, Linkola foi entrevistado pela última vez, sobre a pandemia do novo coronavírus. Perguntou-se a ele sobre as perspectivas para o futuro próximo, se a pandemia mudava algo, tendo em vista a redução na poluição e no impacto humano sobre o planeta com a quarentena internacional.
O ceticismo de Linkola foi lúcido. “O coronavírus pode desacelerar suavemente a destruição da Terra, mas, uma vez superado, o mesmo modo de vida continuará. Enquanto o progresso e o desenvolvimento econômico forem objetivos humanos fundamentais, salvar o planeta será impossível”, disse o ecologista finlandês.
A “utopia” tenocrática dos progressistas e aceleracionistas vale a pena? O preço a pagar não é alto demais? As TVs de plasma e carros esportivos valem as ondas de suicídio e a proliferação de distúrbios e parafilias?
O pessimismo de Linkola talvez seja intragável para muitos e as suas soluções podem ser vistas como tão inaceitáveis quanto as de Ted Kaczysnki, o famoso “Unabomber”. Mas ninguém pode negar a seriedade e agudeza de suas reflexões. Nenhuma frase dele é irrefletida, não há floreios ou preocupações com o politicamente correto ou com aceitabilidade moral.
“Sacrificando bilhões talvez consigamos salvar alguns milhões”, ele comentou uma vez. É tudo muito cristalino e duro, um traço intelectual finlandês. Objeções poderiam ser feitas ao seu misantropismo, não ao seu intelecto.
Linkola é fascinante porque nos apresenta dilemas existenciais gigantescos e praticamente insolúveis. Ele sabia disso. Muitos da “área nacionalista” fazem os seus malabarismos falseando dados para negar o problema da superpopulação e do impacto humano sobre a natureza. É o medo de ter que se deparar com um dilema incomensurável como o que Linkola apresenta.
Para nós, Linkola é uma figura fundamental, mesmo que não necessariamente aceitemos cada linha escrita por ele. Reconhecemos a dura e crua realidade do dilema ecológico, apenas não encontramos ainda a solução adequada para resolvê-lo.
Oramos para que a humanidade encontre essa solução antes que uma catástrofe apocalíptica se abata sobre todos nós.
Uma sugestão: Tradução de seus livros e divulgação.