Por Nicolás Mavrakis
Se define como “discípulo independente de Hegel e Marx”, semeia um duro discurso contra o modo de vida capitalista, aposta na ideia de nação e é acusado de fascista. Recentemente, seus livros causaram polêmica na Espanha e chegaram à América Latina através de Evo Morales.
O surgimento de uma voz como a de Diego Fusaro talvez seja o sinal de que as discussões globais sobre o sentido da política, da economia e cultura precisam ser repensadas. Contudo, para que esse ressurgimento triunfal das ideias seja vitorioso, também é necessário enfrentar a encruzilhada ideológica na qual muitas dessas discussões parecem ter paralisado, na mesma medida, pelos preconceitos das velhas esquerdas e os preconceitos das velhas direitas.
Nascido em Turim, na Itália, em 1983, o caminho pelo qual esse jovem filósofo especializado em filosofia da história lançou esse projeto inclui uma obra ambiciosa com mais de uma dezena de livros, que em espanhol pode ser conhecida através de ensaios como Idealismo o barbarie (Trotta, 2018) ou Antonio Gramsci, la pasión de estar en el mundo (Siglo XXI, 2018), entre otros. Mas é na compilação de artigos jornalísticos El contragolpe (Nomos, 2019), seu último livro traduzido, onde as provocadoras ideias de Fusaro projetam o poder de síntese e o alcance midiático graças ao qual começou a se envolver em algumas das maiores polêmicas da atualidade.
Sob o nome de pensadores alemães como Karl Marx e Georg W.F.Hegel e italianos como Antonio Gramsci e Giovanni Gentile, a prioridade de Fusaro é analisar a importância dos conceitos de nação, comunidade e democracia numa época em que só as soluções uniformes fornecidas pela ideologia da globalização (que para a maioria das velhas e novas potências europeias se apresenta sob os ditamos da União Europeia) insistem em oferecer uma única resposta, que o filósofo reduz, em seu estilo direto e mordaz, a “despolitização, desregulação e dessoberanização da economia de mercado eleita como único fundamento real e simbólico do velho continente”.
Todavia, como conciliar o particular dos povos e das pluralidades linguísticas e culturais com o universal do gênero humano? E como harmonizar, se é possível, o particular nacional com a realidade da globalização? O contexto em que Fusaro escolheu postular essas perguntas não é o mais cômodo, como tampouco é a linhagem de intelectuais entre os quais suas ideias adquirem forma e potência próprias. E é por isso, defende Fusaro, que se atrever a “chamar as coisas por seu nome” é hoje o primeiro “ato revolucionário”. Mas, a que tipo de “revolução” se refere esse filósofo que afirma que não deveríamos confundir as vantagens genuínas de uma sociedade multicultural com as armadilhas de uma sociedade da “monocultura de mercado”?
A princípio, a busca de Fusaro é uma “revolução” dos paradigmas do pensamento. Nesse sentido, a aposta é colocar-se à altura das inúmeras decepções econômicas, culturais e políticas vivenciadas durante os últimos anos entre boa parte dos países da União Europeia, onde já não são nenhuma novidade os surtos de xenofobia nacionalista e o despertar de partidos de ultradireita que, no calor do número crescente de “eurocéticos”, reagem diante de uma crise de representatividade, para a qual, finalmente, sua violência e seu fanatismo conservador não oferece alternativa real.
Diante desse cenário, a proposta não é evitar o medo dos antigos fantasmas do nacionalismo (uma deformação perversa do sentido de nação que, no passado, explica o italiano, apenas tentou neutralizar o direito de ser nação para outras nações, assim como faz hoje a globalização), mas enfrentá-lo em sua raiz através de um conceito diferente: o Interesse Nacional. Essa proposta, explica Fusaro, é a bússola necessária para unir “valores esquecidos pela direita e ideias abandonadas pela esquerda”, de modo que os países aprisionados na lógica asfixiante do mercado globalizado possam saltar esse muro aparente de certezas que, ao final de cada novo cataclismo de angústia política, só beneficia um mundo pensado na exata medida da “subcultura do consumo”.
E se os “valores proletários” (trabalho, solidariedade, direitos sociais) e os “valores burgueses” (família, religião, moral) pudessem reunir-se sob um renovado “bem comum” contra a classe dominante “ultracapitalista” que, argumenta Fusaro, através de seus organismos econômicos substitui a política tradicional e o trabalho produtivo em benefício do puro cálculo de rentabilidade financeira? “Pouco importa se dirão, a partir da direita, que somos comunistas e, a partir da esquerda, que somos fascistas”, escreve em El contragolpe, “esse é o preço a pagar por quem tenha a coragem de agir contra a corrente, consciente de que o velho está morrendo e de que o novo é difícil nascer”.
Embora normalmente, em sua conta no Twitter, incite discussões políticas, incentivando rivalidades (contra o escritor Roberto Saviano) e inclusive acusando o Papa Francisco de promover a “terceiromundização da Europa” ao defender uma política de “portos abertos” que transforma os imigrantes africanos em vítimas de “uma exploração e servidão ilimitadas”, foi na Espanha onde, há poucas semanas, as posições do filósofo que hoje sacode aos europeus ficou em foco nas esquerdas e direitas.
Para alguém que em 2016 já havia sido convidado ao outro lado do atlântico pelo presidente Evo Morales para apresentar no Banco Central da Bolívia o livro Capitalismo flexible. Precariedad y nuevas formas de conflicto com o vice-presidente Álvaro García Linera, o conteúdo dessa polêmica a partir de uma entrevista publicada no diário espanhol El confidencial marcou uma nova linha de influência.
O centro das acusações esteve na atividade política de Fusaro na Itália, onde, consequentemente, através de sua teoria, deu apoio intelectual à aliança do governo entre Matteo Salvini, líder do partido de direita La Liga, e Luigi Di Maio,que a partir da esquerda é líder do movimento Cinco Estrelas. “Esse resultado é positivo porque deixou indignados os controladores das finanças internacionais”, disse o filósofo quando Salvini e Di Maio entraram em acordo no poder. Durante sua passagem na Espanha, no entanto, Fusaro foi acusado, a partir da esquerda, de ser “o Cavalo de Troia da ultradireita”, e a partir da direita, de apoiar e incentivar ao governo italiano uma irresponsável “saída do euro”.
Fusaro saudou a controvérsia, lembrando que ele é consoante ao intelectual que “pensa na sociedade e age na sociedade” e repetiu, em sua defesa, que o antifascismo que costuma enfrentá-lo “na ausência patente de fascismo é o álibi para aceitar o cassetete invisível da economia de livre mercado planetário”. Ainda assim, talvez a questão em que mais convergem as críticas dos dois lados seja sua posição a respeito do auge dos novos direitos civis (em termos de novas liberdades sexuais, de gênero, de reprodução e adoção) em oposição ao ocaso dos velhos direitos sociais e laborais (em termos de sindicatos, garantias profissionais e coberturas sociais).
Acusado inclusive de preparar o terreno para “suprimir” esses direitos civis, basta ler o trabalho de Fusaro para encontrar argumentos mais complexos que o medo ou a homofobia. Nesse caso, explica o filósofo, é a família como fundamento de uma ética comunitária fundada em “garantias, tutelas e estabilidades” que deve ser pensada no contexto atual como um espaço de resistência diante desse egoísmo competitivo que só concebe os direitos civis como mais um passo para a reafirmação de “indivíduos autocráticos” com mais afinidade pelas leis de livre mercado do que pela emancipação dos costumes. Então, diante das mudanças aparentes, o que falta, contudo, são mudanças mais radicais. Sob o risco de provocar e incomodar, as ideias de Diego Fusaro apontam para um horizonte comum: o mundo só deixa de ser transformável “se nos eximimos de transformá-lo e incorrigível se renunciamos a corrigi-lo”.