Desde novembro de 2018, centenas de milhares de trabalhadores e estudantes franceses estão a bloquear estradas, ruas, túneis, portos e aeroportos em ação direta contra a carestia que grassa na França. A maioria dos insurgentes traja o “gilet jaune” (o colete amarelo, um acessório de segurança que os franceses usam nos automóveis), uma vez que os sucessivos aumentos do preço dos combustíveis foram o pretexto imediato para tal rebelião, que abraçou pautas mais anti-sistêmicas. O que há de novo neste movimento é que ele supera a dicotomia direita e esquerda. É a rebelião da França Profunda contra o arrocho neoliberal e o globalismo. E é sobre esse movimento que nós, da NR, conversamos com o camarada francês de origem portuguesa Mickaël, militante da associação Égalité et Réconciliation, que defende a junção da Direita dos Valores com a Esquerda do Trabalho.
1 – Mickaël, a nossa audiência brasileira não o conhece, por isso nos fale um pouco sobre você, o que você faz e qual foi a sua trajetória política até hoje. Como você se posiciona politicamente e no que você acredita?
Obrigado primeiro pela entrevista, é uma honra. Para me apresentar, eu penso que é preciso fazer um focus sobre:
– A minha origem social.
– Os meus estudos.
– A minha profissão.
Tenho 31 anos, nasci em França de pais portugueses (a comunidade portuguesa sendo uma das comunidades de estrangeiros mais importantes de França). O meu pai era trolha enquanto a minha mãe ainda faz limpezas. Os meus pais, como muitos portugueses que vivem em França, são de aldeias e freguesias do Minho, região pobre e agrária do norte de Portugal.
Tenho um irmão que hoje trabalha na Polícia…
Eu sou então um garoto que cresceu num universo popular, em bairros populares, mas que não foi educado na “modernidade”. O meu ambiente familial era tradicional, com um pai duro mas justo, uma mãe que cuidava sempre de nós. Eles nos transmitiram valores que posso qualificar de universais.
Mas estes valores eram muito diferentes do universo dos meus colegas franceses que foram criados num contexto moderno pós-revolução social de Maio de 68 (onde era “proibido de proibir”). Para mim isto não é um detalhe mas uma noção importante.
Eu fiz estudos de Economia, com uma especialização nas finanças. Este percurso permitiu-me ter uma base teórica bastante grande sobre fundamentos em economia.
Politicamente o meu posicionamento é nacional e social. Vemos na Europa Ocidental, depois da queda da União Soviética e do desenvolvimento do mundialismo, uma pauperização e uma violência social cada vez mais grande.
A França, por exemplo, que é a quinta potência econômica do mundo, tem 9 milhões de pessoas pobres.
Vemos também que a França está a ser destruída pela imigração de massa. Já perdemos nossa soberania, a nossa moeda, agora perdemos a nossa identidade…
Conheci o trabalho do Alain Soral no início, em 2005, antigamente mais pelo seu trabalho sobre o feminismo. Comecei a traduzir as suas entrevistas em 2012. Eu sou membro da sua associação, Égalité et Réconciliation.
De um ponto de vista mais individualista, eu penso que uma pessoa não deve contar na política pela sua salvação mas respeitar sempre valores simples como trabalho, modéstia, honra para desenvolver-se neste mundo. Eu penso ser estoicista de um certo modo.
Se eu fosse uma figura conhecida, eu penso que gostaria ser Tyler Durden, herói do filme Fight Club.
2 – Nós temos visto pela TV e pela internet imagens bastante fortes retratando violentos protestos que estão acontecendo ao longo das últimas semanas na França. Mas a mídia de massa tem falado muito pouco sobre o assunto. Pelo que sabemos, o estopim foi uma questão sobre o preço dos combustíveis. Em sua opinião, há razões mais profundas para essa revolta popular?
Do meu ponto de vista, estes protestos dos “Coletes Amarelos” é uma oposição entre os interesses nacionais, encarnado pelo povo pauperizado, e uma governo francês cada vez mais mundialista.
Como se define hoje o povo pauperizado francês? Temos de um lado os pequenos empreendedores, agricultores, ambulancistas, taxistas, que são cada vez mais submetidos a taxas e impostos. Estes empreendedores vivem e trabalham em maioria na zona rural (é preciso lembrar que a maioria do território francês é rural), zona onde o carro é uma necessidade diária. Estes empreendedores são apoiados por assalariados. Por aquilo que eu vejo, posso dizer que este povo que protesta é misto, homens e mulheres. Este povo ativo e apoiado por reformados que são cada vez mais pobres, devido às políticas fiscais do governo.
A maioria dos protestos dos “coletes amarelos” em França são não-violentos. A violência apresentada nas mídias é vista em Paris em grande maioria e nas demais cidades em minoria.
No resto do pais, os coletes amarelos bloqueiam os acessos das principais autoestradas, e dão acesso de graça a estas mesmas autoestradas. Eles bloqueiam também o acesso às principais zonas comerciais.
3 – Gostaríamos que você comentasse para nós sobre o perfil desses protestos. Há líderes e organizadores? Quem fala pelos manifestantes? Existe a participação de partidos e sindicatos nos eventos? Quais são as principais reivindicações atuais dos “Gilet jaunes”?
Até hoje, é e isto que mete medo ao poder, o movimento não tem realmente líderes e não foi recuperado nem por sindicatos nem por partidos políticos. As principais mídias são rejeitadas, o que é um bom sinal.
As principais reivindicações são estas :
– Zero desabrigados;
– Imposto sobre o salário mais progressivo;
– Salário mínimo de 1300 € / mês (contra mais o menos 1100 € agora);
– Favorizar as pequenas lojas das aldeias e dos centros de cidades (parar com a construção das grandes zonas comerciais nos arredores das grandes cidades que matam o pequeno comércio) e praças de estacionamento gratuitos nos centros das cidades;
– Que os grandes (McDonald’s, Google, Amazon, Carrefour etc.) paguem muito e que os pequenos paguem pouco;
– Mesmo sistema de segurança social para todos. Fim do RSI (regime social dos independentes);
– O sistema de reforma deve ficar solidário e então socializado;
– Fim do aumento das taxas sobre os combustíveis;
– Uma reforma mínima de 1200 euros;
– Todos os representantes eleitos terão direito ao salário mediano;
– O salário de todos os Franceses e também as reformas e benefícios sociais devem ser indexados no índice da inflação;
– Proteger a indústria francesa. Proibir as deslocalizações.
4 – A esquerda liberal e burguesa brasileira está “desconfiada” desses protestos porque, segundo ela, trata-se de protestos da “extrema-direita” francesa. Tivemos acesso a algumas informações de que tanto Marine Le Pen como Jean-Luc Mélenchon têm tentado influenciar as manifestações do “gilet jaunes”. Segundo seu conhecimento, de que forma esses protestos influenciarão as próximas eleições francesas? Que forças e personagens políticos ganharão força com esses protestos?
Eu penso que Mélenchon tem tudo a ganhar nestes eventos. Macron está queimado. Veremos nas eleições europeias do próximo mês de maio o que pode acontecer. Muita coisa pode mudar até lá. Já tivemos um atentado em Estrasburgo…
5 – Em círculos dissidentes ao redor do mundo, a França (tal como a Suécia) é usualmente citada como um exemplo de país que não tem solução. Em sua opinião, teriam essas manifestações mostrado que há esperança para a França? Como você vê o futuro francês a partir de agora?
Do meu ponto de vista, o povo francês esta fodido do ponto de vista moral. Os franceses tornaram-se em maioria mundialistas, progressistas, sem espírito de luta, feministas… Basta olhar um pouco como uma cidade como Paris tornou-se numa sorte de Sodoma e Gomorra… Apenas existe uma forma de elite intelectual que brilha ainda um pouco. Por isto, tenho pouca esperança…
6 – Agradecemos a sua participação nesta entrevista, desejamos toda sorte e sucesso ao povo francês para que ele consiga se livrar dos grilhões globalistas.
Obrigado.