A mídia de massa não tem dado atenção, mas protestos muito maiores e mais violentos que os de Maio de 68 estão abalando a França nesse momento. E eles não são dirigidos nem pelos grandes partidos do Sistema, nem pelos grandes sindicatos pelegos.
São os “Gilets Jaunes”, ou Coletes Amarelos, chamados pela elite francesa de “sans-dents”, desdentados.
Tudo começou por conta do aumento nos preços dos combustíveis, que vem subindo vertiginosamente na França ao longo do último ano por uma soma de alta de preços no mercado mundial, alta de impostos e políticas neoliberais (como a falta de subsídios). Mas os protestos se tornaram a expressão da insatisfação geral do trabalhador francês com sua elite e seu atual governo: taxas de desemprego de 10%; baixos salários; elevada desigualdade e impostos altos, especialmente sobre a classe trabalhadora e a classe média: tudo isso, misturado com todos os outros problemas atuais da França, tem levado mais gente às ruas do que em 68 — com 2 manifestantes já tendo sido assassinados pelo governo.
É a França periférica, a “França Profunda”, vinda ela boa parte de fora de Paris, das províncias, homens e mulheres, jovens e idosos, camponeses e operários, que não se consideram direitistas ou esquerdistas, mas estão simplesmente cansados da humilhação e de serem tratados como cidadãos de segunda classe, em seu próprio país, por uma elite que prefere inundar o país com imigrantes para ter uma casta de escravos mais fácil de ser explorada.
Quando quem está embaixo se move, quem está em cima treme e tenta se segurar para não cair. As autoridades públicas estão assustadas porque descobriram que o Povo consegue se mobilizar sem depender de partidos e sindicatos, e que a maioria esmagadora (80%) da opinião pública está contra o governo e a favor dos manifestantes. E não há “interlocutor” ou “representante” para trair as aspirações do Povo em negociatas com o governo. É tão somente o Povo em si, a essência do populismo autêntico e orgânico. O Povo se impondo como sujeito histórico.
Curiosamente, esse evento despertou a mesma torrente de ódio da elite (inclusive de gente da esquerda, que supostamente deveria representar esse Povo) que outras expressões semelhantes. Sobre isso, veja-se o que um “baluarte” da esquerda francesa, um dos “herois” de 68 como Bernard-Henri Levi, escreveu sobre os protestos, acusando o que é, na prática, “o povo em marcha” de ser “fascista”.
Confirma-se que os partidos de direita e esquerda, bem como seus intelectuais e líderes, não são mais do que forças liberais disputando uma alternância dentro de uma ordem liberal que não se almeja modificar. O desprezo que essa elite tem pelo Povo é infinito.
A questão dos preços dos combustíveis foi apenas a gota d’água em sentimentos profundos de insatisfação e raiva que já vinham de longa data, de décadas até. Da redução dos preços foi-se à atual pauta principal, que é a renúncia de Macron. Mas Macron não acena com a menor possibilidade de ceder, ao contrário, promete mais e mais repressão.
Imaginemos o que aconteceria se tudo isso estivesse acontecendo em um país não-alinhado aos EUA e ao atlantismo? Por menos, políticos americanos e ONGs internacionais estariam pedindo intervenção “humanitária”. Porque a repressão tem sido brutal desde o primeiro dia. Além dos 2 mortos, já são mais de 400 feridos, alguns graves, com casos de cegueira e aleijamento. Não parece haver outra solução que a dissolução da Assembleia Nacional para novas eleições. A ilegitimidade do atual governo francês, tanto do Executivo como do Legislativo, é flagrante.
É o momento do Povo como protagonista. E é isso que esperamos e queremos para o Brasil, especialmente nos próximos anos. O Povo assumindo as rédeas de seu destino com as próprias mãos.