«Esta “civilização” atual, nascida em incubadoras ocidentais, espalhou sua infecção para toda terra que estava ainda sadia e trouxe a todas as camadas da sociedade e a todas as raças os seguintes “presentes”: inquietude, insatisfação, ressentimento, a necessidade de ir cada vez mais longe e mais rápido, a incapacidade de possuir a própria vida em simplicidade, independência e equilíbrio.
A civilização moderna empurrou o homem para frente, gerou nele a necessidade de um número cada vez maior de coisas; fez dele mais e mais insuficiente para si mesmo e impotente.
Assim, cada nova invenção e descoberta tecnológica, ao invés de uma conquista, representa realmente uma derrota e uma chicotada em uma corrida cada vez mais rápida ocorrendo cegamente dentro de um sistema de condicionamentos que são cada vez mais irreversíveis e que de modo geral não são notados.
É assim que vários caminhos convergem: civilização tecnológica, o papel dominante da economia, e a civilização da produção e do consumo complementam a exaltação do devir e do progresso; em outras palavras, contribuem para a manifestação do elemento “demônio” no mundo moderno».
– Julius Evola
Olavo de Carvalho foi o responsável pela indicação do Chanceler do próximo governo brasileiro, Ernesto Fraga Araújo: trata-se de um frequentador de sua casa e parte de seu círculo pessoal (o que, para aqueles conhecem os costumes internos da seita olavética, faz até levantar suspeitas sobre sua sexualidade).
A seleção desse elemento como Chanceler causou ataques de histeria eufórica entre certas figuras marginais de círculos dissidentes, pelo fato de Ernesto, em textos seus, citar baluartes, inspirações ou fontes intelectuais nossas, como Aleksandr Dugin, Oswald Spengler, Julius Evola e René Guénon.
Mas do que adianta citar (ou jogar nomes em textos) para defender precisamente o oposto, a antítese do que esses pensadores dizem?
Talvez a euforia venha por se acreditar que estes autores seriam algo como “pensadores underground”, desconhecidos.
Mas essa não é a realidade há muito tempo.
Tratam-se de pensadores que, embora possam ser odiados, não são absolutamente desconhecidos.
No Brasil, já se estuda superficialmente Dugin em algumas faculdades de Relações Internacionais e de Ciência Política.
Menções a Julius Evola em trabalhos acadêmicos vêm se tornando mais comuns ao longo dos últimos 10 anos.
Trabalhos sobre Spengler em mestrados e doutorados de História também não são incomuns.
É claro que tudo isso costuma passar longe da mente da maioria dos graduandos, mas não precisa ser nenhum tipo de gênio ou alguém fundamentalmente “na contramão” para pelo menos conhecer de nome e conhecer algumas obras básicas desses pensadores.
É questão de possuir uma erudição rudimentar, como se demanda de todo diplomata.
Estes pensadores podem ser minoritários, e muitas vezes propositalmente deixados de lado por muitos professores, mas não são parte de qualquer “nicho” que só exista fora da Academia.
A mera menção deles, portanto, nada significa.
Importa é verificar se eles estão sendo citados de acordo com seus pensamentos, ou se eles estão sendo manipulados para defender o oposto do que acreditam.
E este é o caso.
Segundo o futuro Chanceler olavético, o Brasil seria parte de uma “civilização judaico-cristã ocidental”, e deveria se firmar nos valores dessa civilização.
A figura fala muitas coisas evidentes que ressoam em pessoas incautas ou de pouca leitura, pelo fato de vivermos em uma era insana em que é necessário argumentar pelo óbvio.
Importância de fronteiras, singularidade cultural, distinções fundamentais entre povos, nada disso é algum tipo de novidade, nem poderia marcar o futuro Chanceler como um dos nossos.
Reflexões desse tipo, ou até bem mais radicais, podem ser encontradas entre liberais ou comunistas, de todas as variações, nos últimos dois séculos.
Foquemos, portanto, na essência de seu discurso.
“Civilização judaico-cristã ocidental”. Para defender essa ideia, o futuro Chanceler olavético lança mão de fragmentos do pensamento de Evola e Spengler.
Primeiramente, o mais óbvio e evidente: o conceito de “judaico-cristão”, “judaico-cristianismo”, é uma invenção cuja finalidade fundamental é a de descristianizar o cristianismo.
A aproximação entre os dois mundos, que se dá por uma verdadeira “judaização” do cristianismo e começa a operar com o advento da modernidade, tem se provado historicamente como ferramenta mítica das forças neoconservadoras e liberal-conservadoras para elevar Israel e o povo judeu em prejuízo do cristianismo, dos cristãos em geral, dos europeus, etc.
Então, a menção a uma “civilização judaico-cristã” já deve ativar nossos mecanismos de percepção de perigo.
A NR já lançou uma importante nota desmistificando tal conceito.
Judaico-cristianismo é, para todos os efeitos, anticristianismo.
É uma invenção moderna. Uma corrupção, um construto perverso, uma infiltração subversiva de certas forças parasitárias.
Talvez se pudesse falar em uma “civilização judaico-cristã”, mas apenas se estivermos nos referindo à civilização moderna, ou seja, aquela que, portanto, deveria ser demarcada como não sendo cristã, apesar de possuir raízes e influências cristãs.
E é aí que chegamos ao “Ocidente” e à “civilização ocidental”.
Quais são os valores defendidos pelo futuro Chanceler olavético, que ele diz que são os ocidentais, e que ele diz que o Brasil deve defender, por serem também os nossos?
Mentalidades infantojuvenis poderiam ficar impressionadas com as menções a Roma e Grécia, menções a guerras, eventos históricos, herois e todo um discurso nebuloso que atrai os jogadores de RPG.
Mas quando se chega à essência de seu discurso, através de seus textos, quando se chega à parte substancial deles, em artigos como “Trump e o Ocidente”, ou textos como os de seu blog, enxergamos que os tais “valores ocidentais” que ele quer defender são as “liberdades negativas”, o “Estado de Direito”, o falatório demoliberal, o “empoderamento feminino”.
Como figuras paradigmáticas recentes, Araújo evoca Reagan e Churchill, que ele chama de “defensores da civilização” contra a “barbárie”.
Ninguém precisa acreditar em nós, isso está escrito de forma literal nas páginas 328 e 329 da publicação na qual se encontra seu texto sobre Trump.
Há rapazes que “molharam as calcinhas” pelo futuro Chanceler olavético falar nebulosamente de forma crítica sobre as “democracias liberais”.
Mas o seu discurso é bastante curioso, porque como fica claro para qualquer estudioso de Carl Schmitt, tudo que ele está se defendendo como os “valores ocidentais” é precisamente o conteúdo político do liberalismo.
Não é outra coisa além de liberalismo.
É um discurso que só captura incautos, lançando mão precisamente do que Evola chamou de “camada imunda de retórica, sentimentalismo, moralismo e pietismo hipócrita com que o Ocidente enevoou e humanizou tudo”, e que segundo ele deveria ser varrido.
Isso basta, não é?
Em resumo, o que o futuro Chanceler olavético defende aguerridamente por “Ocidente judaico-cristão” é a modernidade.
Não poderia estar mais distante de Julius Evola ou de René Guénon.
E no que concerne Spengler é questão de pontuar a impossibilidade de “salvar” uma civilização já em sua fase invernal a partir, precisamente, dos mesmos valores que levaram à sua decadência.
Não, Evola, Spengler, Dugin e vários outros pensadores de mesma orientação concordariam: deve-se deixar a civilização ocidental morrer, para permitir o nascimento de uma (ou mais) nova cultura em seu lugar, mais autêntica.
Mas e quanto ao Brasil? Ele não é Ocidente? Essa é uma pergunta que também poderia ser estendida ao resto da América Hispânica.
Poderíamos, por exemplo, recomendar, sobre essa questão, o livro “Hispano-América contra o Ocidente”, de Alberto Buela, pois o espaço aqui é curto para transmitir tudo que se deve saber sobre o assunto.
Basta, então, dar umas pinceladas sobre o tema.
Se, como vimos, civilização ocidental é sinônimo de civilização moderna, então o Brasil e nossos vizinhos não podem ser considerados como sendo nem originalmente e, mesmo hoje, nem fundamentalmente liberais.
Parece haver, claramente, um Brasil Moderno, um Brasil Ocidental, que é o Brasil litorâneo, “atlantista”, e um Brasil Profundo, que é pré-moderno, está ainda enraizado em potencialidades telúricas positivas, mas que está “encoberto”, sob cerco, ameaçado pela “capa” ocidental e moderna.
Esses dois Brasis coexistem em contradição e tensão dialética.
A situação parece ser semelhante à de países vizinhos.
Parece efetivamente haver uma Argentina Profunda, um Uruguai Profundo, uma Bolívia Profunda, etc., sempre em tensão e contradição com uma “camada” imposta de cima para baixo por elites apátridas.
Se essa nossa América Profunda está em contradição com o Ocidente é porque não é ocidental.
Assim, afirmamos que a América Hispânica é uma unidade geográfica, política, cultural, e religiosa, que possui também uma identidade compartilhada, um destino coletivo e mesmo um inimigo comum, historicamente determinado: o imperialismo anglossaxão.
E de onde vem essa contradição? Do fato de que as raízes hispanoamericanas são ibero-católicas, indígenas e, no caso do Brasil, africanas.
Não, ao contrário do que se vê por aí, o Brasil não é o mero transplante ou enxerto da cultura portuguesa para o Brasil, com ela sendo absorvida por indígenas e negros.
Não somos Portugal, apesar da portugalidade fazer parte, sim, das influências fundamentais da formação brasileira.
E mesmo essa portugalidade que nos é fundamental é fundamentalmente anti-ocidental e pré-moderna.
É a portugalidade céltico-galaica, que pode ser percebida na música tradicional nordestina; é a portugalidade do sebastianismo místico, de nossas revoltas messiânicas e de nossas cavalhadas e muitas outras influências e mitos, todos fundamentalmente nas antípodas do mundo anglossaxão, do mundo da “ética protestante”, dos valores demoliberais, do individualismo.
Não houve um “transplante” de Portugal para o Brasil.
Houve a construção de costumes, práticas, tradições e instituições fundamentalmente originais, a partir das nossas várias fontes de formação histórica.
E o mesmo se passou com nossos vizinhos.
Então não, não somos o Ocidente.
Somos algo original, específico, particular.
Somos, de fato, uma herdeira de Roma, tal como a Rússia.
E isso não faz nem de nós, nem dos russos ocidentais.
Os russos têm sua civilização, e nós a nossa, os europeus a deles, e sobre os escombros da Europa, ergue-se, tirânica e decadente, a civilização ocidental.
O evento bélico-heroico fundacional do Brasil não é nenhuma “Batalha de Viena” (que temos nós com a luta contra os otomanos?), mas a “Batalha dos Guararapes”, quando portugueses, indígenas, escravos africanos e mestiços se uniram para expulsar o governo judaico-holandês do Nordeste.
Foi precisamente a tal “civilização judaico-cristã ocidental” que nós expulsamos do Brasil em 1649, quando em menor número, as forças nacionais comandadas pela augusta liderança de homens como João Fernandes Vieira e André Vidal de Negreiros, varreram a infecção ocidental da costa nordestina, com grande morticínio dos invasores.
Nesse sentido, apesar de todo o romantismo burguês do discurso do futuro Chanceler olavético sobre “globalismo”, “civilização judaico-cristã ocidental”, “marxismo cultural”, é extremamente fácil revelá-lo pelo que ele é: um agente de desinformação e subversão, a serviço de uma seita diabólica, cuja finalidade é desenraizar ainda mais o brasileiro, derrubar todas as instituições ainda de pé e dissolver todos os laços de autoridade e sociabilidade.
Depois do que afirmamos nesta nota ninguém mais poderá se dizer enganado pela retórica sentimentaloide e pseudo-filosófica do futuro Chanceler olavético.
Depois desse texto, só os burros ou os subversivos o defenderão.
O Brasil nunca foi, não é e não podemos permitir que seja parte do Ocidente.