Um ponto de tensão entre Nietzsche e alguns marxistas é – entre outros – a crença de Nietzsche de que toda civilização sempre dependerá da existência de uma camada ociosa e de uma camada trabalhadora, e que a primeira é fundamental à civilização, mas para que ela exista, é necessário que a segunda também exista. Em outras palavras, a tese de que nunca será possível transformar a totalidade da sociedade em uma totalidade de pessoas dedicadas ao proveito do ócio.
No entanto, é um ponto importante de algumas futurologias marxistas a noção de que o desenvolvimento suficiente das forças produtivas levará à possibilidade geral de ócio. O Trabalho não será necessário, e não sendo necessário, será um prazer e, portanto, não será Trabalho. E isso será verdade para todos – será uma situação universal.
Um problema de tal futurologia, porém, para além da fé indevida no Progresso e na tecnologia, é que ela não leva em consideração as desigualdades naturais do ser humano: uma das quais é a vocação.
Se é verdade que o homem não nasceu para trabalhar 12 horas por dia (e passar 2-3 horas por dia indo e voltando do trabalho), também é verdade que a espécie humana como um todo não nasceu para o ócio criativo/produtivo. Ela demanda, de fato, tempo de ócio (de ócio verdadeiro, que é algo totalmente diferente das “horas de lazer” como algo já completamente arregimentado pelo capitalismo como “horas de consumo”), mas uma vida de ócio e exclusivamente de ócio é algo inconcebível.
É certamente verdadeiro que o homem poderia trabalhar menos do que trabalha, seja com menos horas de trabalho por dia e/ou mais tempo de férias/feriados ao longo do ano. Mas a noção de que poderíamos ter um planeta de filósofos é uma utopia, um delírio.
Em outras palavras, em alguma medida, a “divisão do trabalho” é algo que sempre haverá enquanto houver civilização. E se é necessário rejeitar valorações comparativas entre os vários tipos de vocações cumpridas em uma sociedade, é inobstante necessário entender que a figura do “ocioso” possui uma função social orgânica semelhante à da cabeça para o corpo humano.
O próprio Marx, todavia, entenda que uma das virtudes do comunismo seria a de possibilitar o afloramento e o desenvolvimento das aptidões naturais de cada um. Nesse sentido, Marx se revela um platonista materialista. Deve-se reconhecer, porém, que nesse afloramento das aptidões naturais do homem pós-capitalista, longe de uma utopia semelhante a desenhos do Paraíso dos folhetos dos Testemunhas de Jeová ou de episódios de Jornada nas Estrelas, como alguns marxistas vendem, o que haverá será uma grande massa que, ou receberá uma rígida ordenação social com a devida alocação de cada um ao trabalho de sua vocação (com as necessárias hierarquizações sociais e todas as consequências correspondentes), ou então o caos generalizado de suicídios, criminalidade e contrarrevoluções.
Nesse sentido, a crítica marxista não entendeu que Nietzsche, ao se referir a necessidade da divisão trabalhador/ocioso nunca falou em qualquer necessidade material que pudesse ser superada pelo desenvolvimento das forças produtivas, nem de qualquer “construção social” que pudesse ser superada por toneladas de engenharia social. Ele está lidando com questões que envolvem a natureza humana, e como a própria natureza humana, variável conforme a Pessoa.
Assim sendo, na prática, há mais semelhanças entre Platão, Marx e Nietzsche do que a maioria dos seguidores de qualquer um dos três aceitaria conceber. Mas as diferenças são significativas e importantes, e devem ser reconhecidas e apontadas. A crítica marxista falha por sua superficialidade – um problema comum entre os materialistas.