50 anos depois do Maio de 68, quando todos os que protagonizaram os eventos em questão, se estiverem ainda vivos, estão andando com bengalas, podemos ver com bastante clareza do que se tratou toda a comoção daquela época e quais foram as suas consequências.
No âmago do Maio de 68 há dois impulsos e aspirações distintas. O primeiro, especialmente no início e no que concerne à participação da maioria dos sindicatos nos eventos da época, o alvo contra o qual se lutava era o autoritarismo político que servia para sustentar o reino do comércio e seus valores burgueses. Daí veio uma grande greve geral que mobilizou milhões, sendo a primeira em uma sociedade de consumo e a última dessa escala a ocorrer na França.
Infelizmente, a falta de refinamento na análise axiológica fez com que os manifestantes acreditassem que atacando também os valores tradicionais se poderia lutar melhor contra a lógica do capital. Isso é não perceber que estes valores, tal como tudo que ainda restava das estruturas sociais orgânicas representavam os últimos obstáculos à expansão total a nível planetário dessa lógica.
Esse erro reside no problema, comum na esquerda, de tomar toda instituição ou valor não-proletário como sendo, portanto, burguês. Ao se denunciar os valores tradicionais os militantes de 68 não perceberem que estes valores (como solidariedade, heroísmo, honra) eram os mesmos que eram imprescindívels para qualquer construção política socialista, e que ausentes aí é que o caminho estaria definitivamente aberto para o triunfo dos valores de fato burgueses: individualismo, eficiência, cálculo racional, conforto, etc.
O outro impulso do Maio de 1968 era de inspiração essencialmente hedonista. Longe de almejar uma disciplina revolucionária, militava-se por “proibir o proibir”. Os que estavam investidos nesse impulso perceberam em pouco tempo que não era “servindo ao povo” que estes desejos seriam satisfeitos. Na verdade, nenhum outro sistema poderia satisfazer melhor essas aspirações que o de uma sociedade liberal permissiva.
No atual establishment político, intelectual e econômico europeu é comum encontrar figuras envolvidas no Maio de 68. Agora estão todos ricos, até milionários, e há muito já estão esquecidos os slogans “anticapitalistas”. Eles agora agitam contra inimigos imaginários, especialmente contra o espectro imaginário do “fascismo”. Enquanto isso, o trabalhador foi abandonado, largado e padece hoje de uma sorte infinitamente pior que o trabalhador dos anos 60.
Um terceiro impulso se fazia presente, mas bastante minoritário e que não conseguiu gerar frutos em larga escala, com os situacionistas (Debord, Baudrillard, etc.) que pretendiam uma crítica sistemática da sociedade do espetáculo e a submissão da economia à política, demandando ainda uma restauração da organicidade nas relações sociais.
Não obstante, o que imperou no Maio de 68 foi a paródia e o hedonismo. Não são outra coisa além de farsa ou paródia as encenações teatrais da Comuna de Paris. Principalmente porque qualquer jovem daquela geração, caso se visse diante de um participante da Comuna, o consideraria “conservador”, “burguês” e até mesmo “fascista”.
A geração de 68 atingiu seu objetivo. Eles conseguiram construir uma sociedade em que a satisfação dos desejos individuais é o único propósito de vida de cada um. E isso foi conseguido e construído através da sociedade capitalista.
As grandes “conquistas” de 68 foram o esquecimento do trabalhador e de suas pautas, com a sua substituição pela ascensão do individualismo, a destruição dos laços sociais, a rendição da esquerda à lógica do mercado, o desenvolvimento da teoria do gênero, o combate genérico contra “discriminações de minorias”, a elevação da ideologia dos direitos humanos ao status de religião política e muito mais. Nada positivo.
O Maio de 68 representou, portanto, efetivamente um momento de ruptura. Não com o capital, nem com o espetáculo, muito menos com os valores burgueses. Essa ruptura foi o divórcio entre a esquerda e o trabalhador e a celebração do noivado entre aquela e o capitalismo global.
Nesse sentido, o Maio de 68 não deveria ser motivo de celebração nas universidades. Deveria ser motivo de luto.
Chega de farsas, paródias, encenações e espetáculos, cujo único fim é dar vazão aos desejos hedonistas reprimidos de uma juventude burguesa.