Sejamos francos. É verdade que, atualmente, as Forças Armadas estão entre as instituições que mais inspiram confiança no povo brasileiro. Considerando o grau de podridão de nossos três poderes, porém, não se pode dizer que isso seja muito difícil.
Não obstante, as Forças Armadas brasileiras têm tido um papel histórico bastante distante do que se esperaria de uma instituição “afinada” com os anseios populares. Se excetuarmos o apoio dado a Vargas nos anos 30, desde o golpe republicano contra um imperador que guinava em direções anti-oligárquicas no final do século XIX até os anos recentes, passando pelas duas quedas de Vargas, o golpe de 64 e vários outros episódios menos conhecidos, as Forças Armadas têm sido movidas a mando dos interesses mais antinacionais e reacionários que se pode conceber.
Essas simpatias parecem profundamente enraizadas na alma do militarismo republicano brasileiro, em cuja aurora um marechal Deodoro da Fonseca proclamou os “Estados Unidos do Brasil”, passando a vergonha de até mesmo copiar a bandeira de seus ídolos americanos. Laços que foram reforçados com a aventura da Força Expedicionária Brasileira contra o Eixo, quando generais deslumbrados absorveram todo o chorume ideológico americano.
Não precisamos insistir nos prejuízos nacionais causados pelo regime militar, que já foram suficientemente esmiuçados em várias outras ocasiões. E mesmo depois desse período, esporadicamente se seguiram levantando vozes militares, na ativa e na reserva, expressando opiniões claramente contrárias ao próprio país, sua história e seu futuro.
Ainda assim, a importância das Forças Armadas é inegável. Não há possibilidade de sustentação de um país que planeje se libertar dos grilhões da escravidão usurocrática e do parasitismo oligárquico sem um apoio amplo, irrestrito e dedicado das Forças Armadas.
Exército, Povo e Líder devem estar unidos, tal como preconizado pelo augusto pensador peronista Norberto Ceresole, tutor de Hugo Chávez. Essas verdades também estão bem demonstradas pelo Juche norte-coreano e vários outros exemplos semelhantes.
Estamos, assim, diante de um impasse. O Brasil precisa de suas Forças Armadas, mas as Forças Armadas não estão plenamente afinadas com os interesses nacionais. Isso apontaria para a necessidade de um trabalho de aproximação, diálogo, convencimento, educação e conquista dos militares para a participação em um projeto nacional.
Infelizmente, 14 anos de governo do PT fizeram o oposto. Campanhas incessantes de ódio contra os setores militares, sob o disfarce de uma “Comissão da Verdade” (após um acordo de anistia mútuo) que não passou de vingança personalista ressentida, foram empurrando o setor militar cada vez mais na direção do inimigo. Passamos a nos deparar cada vez mais com o fenômeno da profecia autorrealizável, quanto mais se atacava os militares por reacionários, mais reacionários eles ficavam, quanto mais se atacava os militares por golpistas, mais resmungos, reclames, indiretas, insinuações e ameaças surgiam.
O perigo aí é enorme. Não pelo pavor que a esquerda possui do mito do “golpe militar”, mas pelo risco de impossibilitar por mais algumas décadas uma das únicas garantias fundamentais da construção de um projeto nacional, que é o apoio incondicional das Forças Armadas.
Não obstante, a alta cúpula militar não é monolítica. Ela não tem partido. Ela não está alinhada, em bloco, a quem quer que seja. Ela possui correntes de pensamento e divergências teóricas internas. Ainda há patriotas autênticos, desenvolvimentistas, soberanistas entre os oficiais das Forças Armadas, naturalmente decepcionados com o rechaço do PT e preocupados com o futuro do país. Ainda há aqueles que não creem em um alinhamento automático aos EUA, Israel e seus interesses geopolíticos ou que creem em algum mito de “ameaça vermelha”.
É necessário, portanto, politizar as Forças Armadas. Todo espaço “neutro” está sob risco imediato de infiltração pelo pensamento liberal. A partir do momento que as funções das Forças Armadas estão definidas na Constituição de um país imediatamente deve-se perceber que se trata de um corpo político e que não pode abrir mão disso. Se recusar a aceitar isso, portanto, é cair nas garras de um pensamento liberal que se infiltra pelo disfarce da neutralidade e do “bom senso”.
Esse deverá ser um passo necessário para qualquer futuro líder político que almeje guiar o país para além das atuais dicotomias superficiais em nome do interesse nacional, algo que nem PT, nem PMDB, nem PSDB pretendem fazer.
Não há alternativa. Deve-se trabalhar para a construção dessa ponte entre Forças Armadas e Povo. Ou o futuro do país seguirá ameaçado.