Muito se fala sobre a anti-religiosidade de Marx e do comunismo, mas pouco se fala sobre o anticristianismo aberto do liberalismo e de figuras como Ludwig Von Mises, guru da direita liberal, autor fortemente recomendado por Olavo de Carvalho aos seus seguidores enebriados.
E no quê consiste esse anticlericalismo?
Ora, é muito simples: sendo o liberalismo uma doutrina política fundamentada na noção da SUPREMACIA DO INDIVÍDUO frente a toda e qualquer filiação, conexão ou pertencimento coletivo, e sendo o cristianismo uma tradição pautada em noções radicalmente anti-individualistas (como a noção de uma ecclesia como um organismo teândrico composto por várias partes), a contradição entre um e outro se torna flagrante. Mas Von Misas vai além.
Para Mises, a postura de Cristo em relação aos “ricos deste mundo” é uma postura ressentida, causadora de mortes e de derramamento de sangue. Uma postura, nas palavras dele, “maldita”. Mises desenvolve seu ponto em seu livro O Socialismo, no capítulo em que aborda as relações entre o (que ele chama de) socialismo e a Igreja, e afirma que a justa e santa condenação de Cristo aos avarentos geraram “mais derramamento de sangue e causaram males maiores que a perseguição aos hereges”.
E prossegue:
“A resistência que o cristianismo fez à difusão das ideias liberais serviu para pavimentar o caminho sobre o qual a destrutividade moderna prosperou”.
Ou seja, para Mises, a justificação moral do cristianismo, perante a sociedade idealizada por ele, consiste em abnegar de seus pressupostos centrais e abraçar a cosmovisão liberal, cuja condenação ex cathedra por parte da Igreja é não só teologicamente, como também social e economicamente justificada. Mises ainda termina por culpar o cristianismo pela tragédia moderna, materializada, em sua perspectiva, no comunismo e no fascismo.
E é exatamente por isso que, mais adiante, Mises dá seu ultimato:
“Coisas tão evidentes como estas nos conduzem a optar pela resposta negativa à pergunta anterior a respeito da possibilidade de conciliar o cristianismo com uma organização social livre […] Um cristianismo vivo não poderia existir lado a lado com o capitalismo“.
De fato, não poderia, já que o cristianismo (e estamos pensando aqui, especialmente, em sua versão católica e ortodoxa):
1) Condena a usura;
2) É favorável à Reforma Agrária e a distribuição de terras (elencando a expropriação como método legítimo para se atingir o bem-comum em determinadas circunstâncias);
3) Estabelece limites à propriedade (em termos de posse e de exploração);
4) Estabelece a supremacia do Trabalho sobre o Capital;
5) Tem como ideal que a maior quantidade possível de pessoas sejam proprietárias diretas dos meios de produção (ideal que é sistematizado na doutrina distributista);
6) Legitima a existência e a atuação dos sindicatos dos trabalhadores e dos direitos dos trabalhadores (direitos que os liberais consideram um entrave para a realização de seus projetos distópicos e super-exploradores).
Para todos os fins, portanto, Mises está certo: não só o cristianismo, como praticamente todas as religiões tradicionais estão em total e absoluta contradição com o ethos capitalista e liberal. Os pontos de convergência, se existirem, se resumem a proposições bem gerais sobre a liberdade humana que, em última instância, não são e nem poderiam ser propriedade do liberalismo.
Afirmaremos mil vezes: tradicionalistas têm tantos ou até mais motivos para se rebelar contra a lógica do capitalismo do que os antigos comunistas um dia tiveram. E enquanto o comunismo perseguiu as religiões materialmente, a perseguição imposta pelo liberalismo ocorre no terreno espiritual, ideológico, cultural – sendo, portanto, mais sutil e, assim, mais mortífera.
Destruir o liberalismo, neste sentido, deve estar na ordem do dia de todos os tradicionalistas coerentes com suas tradições.
Concordo. E deixarei aqui uma citação de Jeff A. Benner , Considerado um dos maiores especialistas em paleo-hebraico da atualidade. Ele aponta a diferença entre a forma de pensar ocidental e a oriental:
“Na Moderna Filosofia Ocidental, o foco está sobre o indivíduo: a mim, o meu e o eu. Em contraste com isso, a Antiga Hebraica/Oriental Filosofia sempre incide sobre a totalidade ou sobre a comunidade: a nós, o nosso e o nós. Quando lemos a Bíblia, temos que interpretá-la de acordo com a cultura dos antigos hebreus e sua filosofia hebraica/oriental, e não de acordo com nossa própria filosofia moderna greco-romana/ocidental.
Na filosofia hebraica, o objetivo é a eliminação do ‘eu’, ou do ‘ego’.”
Sim, concordo, havia um senso comunitário maior na filosofia hebraica, digno de qualquer tradição. Mas, ainda assim, penso que o surgimento do Judaísmo (que mais tarde compôs o Cristianismo) foi os primórdios da degeneração, destruindo o antigo tradicionalismo, nacionalismo e regionalismo, que eram muito bem harmonizados entre os animistas e os pagãos. Eles associavam-se à terra, às figueiras, às montanhas, e à Natureza de cada região, o que implicava no eterno nacionalismo, e no mundo multi-polar.
O Judaísmo, ao condenar isso, e propor uma verdade universal, iniciou o globalismo (até então inexistente nas sociedades primitivas). O humanitarismo cristão culmina em seu globalismo, e assim por diante. O Cristianismo “é menor pior do que as outras visões de mundo” (como o pós-modernismo, o trotskismo, o materialismo, o racionalismo individualista etc), mas o verdadeiro mundo multi-polar se daria com relações naturalistas, onde cada povo estabeleceria relações com sua terra e entraria em comunhão com a Natureza (em que a própria religiosidade é fortemente associada à terra e à vila, marcando o tradicionalismo local).
Bem, é o que penso. O Cristianismo é “bem menos pior do que o resto”, mas trouxe consigo a semente do globalismo e do mundo unipolar!