Excertos da encíclica Populorum Progressio, escrita pelo Papa Paulo VI e publicada em 26 de março de 1967, que trata de uma variedade de temas relacionados aos povos e civilizações do mundo e aos países não-desenvolvidos. Publicamos aqui os trechos fundamentalmente econômicos, que estabelecem, no eixo da DSI, proposições relacionadas a limitação do direito a propriedade (contrariamente a concepção liberal, neocon e direitista), a legitimidade da expropriação de terras e a crítica radical do capitalismo. Os grifos em negrito são nossos:
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[…] A propriedade
23. “Se alguém, gozando dos bens deste mundo, vir o seu irmão em necessidade e lhe fechar as entranhas, como permanece nele a caridade de Deus?”.[21] Sabe-se com que insistência os Padres da Igreja determinaram qual deve ser a atitude daqueles que possuem em relação aos que estão em necessidade: “não dás da tua fortuna, assim afirma santo Ambrósio, ao seres generoso para com o pobre, tu dás daquilo que lhe pertence. Porque aquilo que te atribuis a ti, foi dado em comum para uso de todos. A terra foi dada a todos e não apenas aos ricos”.[22] Quer dizer que a propriedade privada não constitui para ninguém um direito incondicional e absoluto. Ninguém tem direito de reservar para seu uso exclusivo aquilo que é supérfluo, quando a outros falta o necessário. Numa palavra, “o direito de propriedade nunca deve exercer-se em detrimento do bem comum, segundo a doutrina tradicional dos Padres da Igreja e dos grandes teólogos”. Surgindo algum conflito “entre os direitos privados e adquiridos e as exigências comunitárias primordiais”, é ao poder público que pertence “resolvê-lo, com a participação ativa das pessoas e dos grupos sociais”.[23]
O uso dos rendimentos
24. O bem comum exige por vezes a expropriação, se certos domínios formam obstáculos à prosperidade coletiva, pelo fato da sua extensão, da sua exploração fraca ou nula, da miséria que daí resulta para as populações, do prejuízo considerável causado aos interesses do país. Afirmando-o com clareza, [24] o Concílio também lembrou, não menos claramente, que o rendimento disponível não está entregue ao livre capricho dos homens, e que as especulações egoístas devem ser banidas. Assim, não é admissível que cidadãos com grandes rendimentos, provenientes da atividade e dos recursos nacionais, transfiram uma parte considerável para o estrangeiro, com proveito apenas pessoal, sem se importarem do mal evidente que com isso causam à pátria.[25]
Capitalismo liberal
26. Infelizmente, sobre estas novas condições da sociedade, construiu-se um sistema que considerava o lucro como motor essencial do progresso econômico, a concorrência como lei suprema da economia, a propriedade privada dos bens de produção como direito absoluto, sem limite nem obrigações sociais correspondentes. Este liberalismo sem freio conduziu à ditadura denunciada com razão por Pio XI, como geradora do “imperialismo internacional do dinheiro”.[26] Nunca será demasiado reprovar tais abusos, lembrando mais uma vez, solenemente, que a economia está ao serviço do homem.[27] Mas, se é verdade que um certo capitalismo foi a fonte de tantos sofrimentos, injustiças e lutas fratricidas com efeitos ainda duráveis, é contudo sem motivo que se atribuem à industrialização males que são devidos ao nefasto sistema que a acompanhava. Pelo contrário, é necessário reconhecer com toda a justiça o contributo insubstituível da organização do trabalho e do progresso industrial na obra do desenvolvimento.
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[21] Jo 3,17.
[22] De Nabuthe, c.12, n. 53, PL 14, 747. Cf. J.R. Palanque, Saint Ambroise et l’empire romain, Paris, de Boccard, 1933, pp. 336ss.
[23] Lettre à la Semaine sociale de Brest, em L’homme et la révolucion urbaine, Lyon, Chronique sociale,1965, pp. 8 e 9.
[24] Gaudium et Spes, n. 71, § 6.
[25] Cf. Ibid., n. 65 § 3.
[26] Encíclica Quadragesimo Anno, 15 de maio de 1931, AAS 23 (1931), p. 212.
[27] Cf., por exemplo, Colin Clark, The coditions of economic progress, 3, ed., London, Macmillan & Co., New York, St. Martin’s Press,1960, pp. 3-6.