Datas comemorativas deveriam servir para exaltar os maiores heróis de um país, bem como os momentos mais fundamentais de sua história. Neste sentido, não compreendemos muito bem o sentido da comemoração da “Proclamação da República”.
Ao contrário do que monarquistas e republicanos acreditam, não houve uma “grande transformação” nas estruturas da sociedade brasileira, como se tivesse havido uma revolução. A República possui grandes ares de “continuidade” em relação ao período monárquico.
A Independência foi um golpe dado por maçons iluministas, tal como a República foi um golpe dado por maçons iluministas. Nos dois períodos, fomos governados, fundamentalmente, pela mesma oligarquia, com os mesmos interesses e com praticamente os mesmos valores liberais ou liberal-conservadores.
Se a Independência foi declarada com o apoio desta oligarquia cansada dos desmandos da metrópole portuguesa, e receosa em perder os privilégios e prerrogativas acumulados após a vinda da família real, a República foi proclamada pela mesma oligarquia cansada da monarquia e ressentida com a abolição da escravatura.
Ao contrário das visões mistificadoras, que veem na História um progresso linear rumo a algum fim específico e pré-demarcado, não temos como enxergar qualquer tipo de progresso real na passagem da Monarquia à República. Em nenhum sentido.
Lembremos que nossa República teve como modelo organizacional os EUA, a ponto de, durante um período vergonhoso e tosco de nossa história termos sido conhecidos como “Estados Unidos do Brasil”, quando fomos governados por uma oligarquia que limitava ainda mais a participação popular na política do que durante as últimas décadas do Segundo Reinado.
Ainda colhemos os frutos sombrios dessa inspiração. Nossas Forças Armadas, por exemplo, ainda são profundamente influenciadas por este sentimento de servilismo frente aos EUA, como se eles fossem nossos “irmãos mais velhos”. O mesmo se dá com a nossa oligarquia, que sempre, e ainda hoje, tem sonhos quase eróticos com a dominação americana do Brasil.
Mas quando dizemos que não houve progresso, não estamos afirmando que as coisas eram melhores antes. O governo monárquico alternava entre a incompetência, o servilismo às oligarquias e o desinteresse pela arte de governar – algo simbolizado na figura de D. Pedro II, um monarca que, apesar de tudo indicar que nutria um apreço verdadeiro pelo país, simplesmente abominava a política e os seus deveres como governante.
Lembremos, ainda, que o período monárquico, longe de ser um mar de estabilidade, viu quantidades imensas de sangue brasileiro derramado em algumas das maiores revoltas que o país já viu, para não falar em uma política externa pífia que, em ocasiões, foi bem manipulada por forças estrangeiras contra nossos vizinhos.
Em suma, neste debate República x Monarquia, estamos novamente diante de uma falsa dualidade, de uma polarização tosca que possui mínima relevância em nosso momento histórico atual. Um debate que só interessa aos RPGistas metidos a interessados em política, porque, como já afirmamos em outras ocasiões, não é o sistema de governo que determina se um país é ou não é bem governado – e se seu povo é livre ou não.
O fato de que fomos governados, durante o período monárquico, por uma “aristocracia” republicana, e que o golpe republicano foi dado por militares monarquistas, nos diz tudo que precisamos saber.
As forças nacionais e internacionais que controlam efetivamente o poder político brasileiro ainda estão no controle desse poder político, quase 200 anos após a independência do Brasil. Isso não foi mudado pela proclamação da República. De clientes da Inglaterra a clientes dos EUA, a outra ponta de nossa coleira só se trasladou de Londres da Nova Iorque.
A grande questão segue sendo a tomada do poder por uma vanguarda apta a tomar as decisões políticas necessárias para garantir uma liberdade autêntica ao Brasil. Que sistema será utilizado? Isso é o de menos. Pode-se até inventar um novo.