Com o modismo dos “gráficos de posicionamento político” na internet, muitas pessoas perderam a noção de que “posição política” (no sentido de esquerda/direita) é algo, por definição, relativo.
“Esquerda” e “direita” não se tratam de entes com existência real, de fenômenos físicos ou de algo do tipo. Falar em “esquerda ou direita” é como falar em “frio ou quente”, “alto ou “baixo”. Há inúmeros referenciais possíveis e não há qualquer consenso sobre o que define as múltiplas posições possíveis, nem consenso sobre critério de avaliação de cada posição.
Por causa desse modismo, o brasileiro tomou “direita” e “esquerda” como formas absolutas. Uma como antítese da outra. De modo que quem é de direita é anti-esquerda e apoia um bloco de posicionamentos específicos e fechados. E quem é de esquerda é anti-direita e apoia um bloco de posicionamentos específicos e fechados. Na hora de votar, segue o pensamento: quem é de direita procura um candidato de direita e vota nele. Quem é de esquerda procura um candidato de esquerda e vota nele.
A realidade, porém, é o exato oposto disso.
Excetuando uma minoria de cidadãos, que só se fazem presentes na internet, o povo não pensa a política dessa forma, “em blocos”. O povo pensa a política em “pautas de interesse”.
“Analistas” políticos se surpreenderam quando foi descoberto que a segunda opção de boa parte dos eleitores do Lula era o Bolsonaro. Faltou nessa pesquisa, mas é bem possível que parte dos eleitores do Bolsonaro também tenha o Lula como segunda opção e, mais provável ainda, que boa parte dos eleitores do Bolsonaro tenha votado no Lula no passado.
Estamos diante de “mudança de ideologia”? Mas desde quando o povo brasileiro tem ideologia?
Pesquisas anteriores já mostraram, por exemplo, que o povo brasileiro é a favor do Bolsa-Família, a favor de medidas de redução da desigualdade, a favor de intervenção do Estado na economia e, ao mesmo tempo, a favor do porte de armas, contra adoção homossexual, contra aborto, contra legalização das drogas e por aí vai.
Contradição? Só na cabeça de quem está em descompasso com o povo e não pensa em termos de pautas reais, mas no eterno “jogo de futebol” entre direita e esquerda.
O povo brasileiro votou no Lula no passado porque estava desesperado com as desgraças sociais e econômicas causadas pelos governos de Sarney, Collor e FHC. Parte considerável do mesmo povo brasileiro está indo atrás do Bolsonaro porque está desesperada com a violência urbana e a avalanche de pautas progressistas anti-povo (afinal, ainda não sentimos o baque das reformas neoliberais do Temer).
É o mesmo povo. Um povo que é, simultaneamente, “lulista” e “bolsonarista”, sem qualquer tipo de contradição essencial, mas fundamentalmente porque tem sido há anos ludibriado a votar pelas figuras que mais apelam a interesses populares de momentos históricos específicos.
Aprender essa lição é fundamental. “BolsoLula” não é só um meme, não é só uma piada, é uma pseudo-contradição que, na verdade, revela bastante sobre os interesses, crenças e valores do povo brasileiro.
O Povo brasileiro quer combate à pobreza, redução das desigualdades, participação do Estado na economia, mas também mão de ferro em bandidos – e que se levante uma barreira firme contra as avalanches pós-modernas.
Simples de entender.
Mas quem terá coragem de cruzar fronteiras gráficas fictícias e dar ao povo o que ele quer?
Estamos em 2021 e estou impressionado como essa matéria continua atual