Falar sobre “globalismo” se tornou moda em certos círculos. Porém, até agora, ninguém tentou explicar, de forma razoavelmente específica, o que seria esse globalismo, de onde ele vem e o que ele pretende. Ao contrário, a maioria dos grupos políticos que falam em globalismo estão, na verdade, mistificando e distorcendo um fenômeno importante, com o objetivo de ocultar seu núcleo semântico.
Em linhas gerais, podemos situar uma das mais salutares raízes filosóficas, morais e geopolíticas do globalismo nos rascunhos de Immanual Kant sobre o estabelecimento de uma “Paz Perpétua” – e sobre o que seria necessário para garanti-la. Simultaneamente, estamos aqui diante da gênese do pensamento político liberal contemporâneo, o que chama a atenção para a íntima conexão entre liberalismo e globalismo.
O x da questão, porém, é que essa “Paz Perpétua”, hipoteticamente tão desejada por todos, e, também hipoteticamente, tão de acordo com a “Natureza” e/ou “Providência” (de acordo com Kant), não tem como ser estabelecida senão pela força. Essa “Paz Perpétua” depende, por exemplo, de que todos os Estados sejam repúblicas e possuam estruturas governamentais iguais. Assim, o que nós temos diante de nós, na verdade, é um mandato para uma “guerra perpétua”, até que se atinjam as condições para a suposta paz eterna.
E não é segundo esses princípios que os EUA têm agido desde o fim de seu isolacionismo internacional? Não é segundo esses princípios que organizações internacionais têm apoiado e financiado “reformadores” (ou seja, terroristas) em países não-alinhados com os projetos dos EUA?
O resultado desejado é uma grande confederação de Estados, em perpétua paz, sem exércitos, com livre circulação de pessoas, bens e serviços, onde qualquer ser humano será igual a qualquer ser humano, ou seja, onde ninguém será visto como inimigo. Globalismo.
Mas por trás dessa importantíssima visão geopolítica, há uma base econômica essencial que move tais e quais projetos. Aqui, neste sentido, somos capazes de definitivamente identificar o caráter do globalismo, forjando a seguinte proposição: o globalismo é a fase de desenvolvimento do capitalismo que se segue ao imperialismo.
O imperialismo foi uma fase no desenvolvimento do capitalismo na qual as burguesias nacionais, objetivando seguir expandindo sua massa de geração/extração de lucros e rendimentos, iniciam um processo de internacionalização de investimento de capitais em países economicamente subdesenvolvidos (leia-se, agrários e não-industrializados) e, para garantir o sucesso de tal empreendimento, impelem seus governos a ocuparem militarmente os territórios circunscritos onde esta exportação de capitais ocorre, de modo a garantir seus resultados.
Impossível descrever o atual estado da economia global nestes termos. Não existem mais “burguesias nacionais”, a não ser nos próprios países economicamente subdesenvolvidos. Nos países de capitalismo mais avançado, as elites já se tornaram plenamente internacionais, globais. A burguesia já é, em ato, uma classe única: ela já se tornou unificada a nível global.
Assim, enquanto na fase anterior, os países envolvidos nos empreendimentos imperialistas buscavam vantagens para si, hoje, a maioria dos países alinhados com o que temos chamado de globalismo age em prejuízo próprio. O nível de financeirização da economia se tornou tão elevado que a desvinculação entre esses processos econômicos e os interesses nacionais específicos se tornou máxima.
O que é característico do capitalismo, na fase em que ele se encontra hoje, é o fato de não ser suficiente a simples exportação de capital para maximizar os lucros e rendimentos dos oligarcas. Hoje, o capitalismo, através de seus agentes, age com o objetivo explícito e declarado de construir um Mercado Global, alcançando a livre circulação de pessoas, bens e serviços em plenitude.
O Governo Global será o garantidor desse arranjo, e a Cultura Global é basicamente uma condição necessária para permitir esse Mercado Global. Esses arranjos são explícitos. Não é para outro fim que organizações como o Clube Bilderberg, a Comissão Trilateral e o Conselho de Relações Exteriores existem.
O que presenciamos, portanto, quando vislumbramos ataques às culturas tradicionais, bem como iniciativas “humanistas/humanitárias” para “desconstruir” padrões comportamentais, sociais e culturais “reacionários”, é basicamente um esforço para o estabelecimento das condições que permitirão a construção desse Mercado Global, ou seja, que possibilitarão a conquista dos objetivos fulcrais do globalismo, através de uma alteração das estruturas de representação da realidade.
Enfim, tudo isso conduz a conclusão de que o contexto geopolítico, político, econômico, social e cultural de nossa época é totalmente diferente do que caracterizava o início do século XX. Por isso, tão somente a Quarta Teoria Política tem respostas e soluções para a crise da pós-modernidade liberal e para a ameaça do globalismo.