A pós-modernidade declarou guerra à figura clássica do heroi. Tal como outros elementos da chamada “grande narrativa”, a pós-modernidade olha de forma faminta para figuras tidas como heroicas na sanha por descobrir supostas falhas, vícios, imperfeições, para mostrar que não há herois, que todo mundo é feito do mesmo lodo e da mesma imundície.
Mas todo povo precisa de herois. A motivação pós-moderna frente à figura do heroi e outros elementos da “grande narrativa” é fruto de ressentimento. É o sentimento do medíocre, do mundano, do baixo, do vil que deseja puxar para o seu nível tudo que existe.
Ainda assim, todo povo precisa de herois. Ou seja, todo povo precisa testemunhar as possibilidades de transcender os limites da vida mundana.
O heroi é, essencialmente, o “defensor” de um povo e/ou causa bem específicos. O que o distingue dos outros homens é a “excelência” (do grego, arete), ou seja, a sua capacidade de ir além da média, além de tudo que é mundano e que é esperado dos homens comuns.
É por isso que não há, não pode haver e nem deve haver herois universais. Tal como todo povo precisa de herois, todo heroi é fundamentalmente o heroi de um povo específico. E é por isso que povo algum tem que prestar contas em relação a quem são seus herois.
Ninguém tem a prerrogativa de determinar quem deve ser considerado o heroi de cada povo. O heroi de um povo pode ser, tranquilamente, o algoz e carrasco de outros povos, talvez de todos os povos do mundo, menos do seu. E ainda assim ele será um heroi. E não há qualquer problema nisso.
A demência universalista, através de Hollywood, da ONU e outros aparatos similares, tenta nos empurrar herois universais, em figuras como John Lennon, Mahatma Gandhi, Nelson Mandela, Martin Luther King. Mas esses supostos “herois” ou não são herois de nada, ou são herois de povos bem específicos que tenham empurrar como exemplares para o planeta inteiro.
Nessas polêmicas contemporâneas sobre derrubar ou não derrubar estátuas de figuras “polêmicas” do passado parte-se desse retardo. O retardo do universalismo. “A estátua de Fulano deve ser derrubada porque esse Fulano aí foi ruim com o meu tatatatataravô”. Ah é? E? Por outro lado, para o povo dele, ele foi um grande líder, combatente, exemplo, etc.
E é assim que funciona. Os incomodados que aturem. E isso vale para todos, sem qualquer tipo de limites. Genghis Khan? Heroi dos mongois, terror da Europa e da Ásia. Vikings? Herois escandinavos, terror de francos e anglossaxões. Shaka? Heroi zulu, terror de ingleses.
Não, não há limites. Quem determina que figuras históricas devem ser exaltadas como exemplares é O povo ao qual essas figuras pertencem. E única e exclusivamente esse povo. Por mais que outros povos não gostem disso.
O Brasil não é diferente. Temos herois. Mas pouco falamos neles. Pouco celebramos suas memória. Dos que defenderam nosso literal dos invasores holandeses aos pracinhas que derramaram seu sangue em terras estrangeiras, passando por várias figuras heroicas estaduais e regionais, abundam figuras exemplares na história do Brasil.
Santos? Não. Mas herois não precisam ser santos. E muito menos corresponder aos valores morais da burguesia liberal (de direita ou esquerda) do século XXI.
Esses debates sobre se Zumbi foi ou não foi heroi, por exemplo, não fazem sentido. E se ele teve escravos? E daí? Continuará sendo uma figura exemplar, heroica, dos negros brasileiros. Bandeirantes mataram indígenas é? Os processos históricos são assim. Cheios de morte. Vida que segue. Eles foram fundamentais para construir São Paulo. E o mesmo vale para inúmeros outros.
Não reconhecer isso, não perceber essas verdades, é aceitar a inevitabilidade de uma existência sem herois, ou seja, sem figuras exemplares nas quais os homens devem se espelhar. E aceitar isso, rejeitar a figura do heroi, é condenar a posteridade a chafurdar na lama, como animais, sem a menor esperança de deixar uma marca na história.
Aqui saudamos e cultuamos os herois.