Os conceitos de esquerda e direita aparecem durante o alvorecer do mundo liberal para designar uma disputa política e ideológica pelo futuro. Com o tempo, e especialmente após a Guerra Fria, esses termos se tornaram insuficientes. Sandouno aponta como os movimentos de esquerda e direita contemporâneos assumem simultaneamente o liberalismo, assim como sua verdadeira oposição transcende a falida dicotomia.
Por Sâa François Farafín Sandouno
Termos como Direita e Esquerda vem sendo utilizados diariamente na política e apesar de terem perdido a essência do seu verdadeiro significado na contemporaneidade, ao mesmo tempo delineou-se uma série de princípios bem claros a respeito deles. Para melhor compreensão, devemos analisar a origem e a gênese dos dois termos, entendendo que existem diversas formas de Direita política e Esquerda política mutuamente no tempo.
Conhecemos as primeiras formas de Direita e Esquerda após seu surgimento junto a Revolução Francesa de 1789, onde foram criados diferentes lados: conservadores e progressistas. A direita daquela época derivava das antigas monarquias e colocava na vanguarda de seus valores, princípios como: o império, a hierarquia, a tradição, a religião, a honra, a sacralidade da família e o respeito pela antiguidade.
Em contrapartida, havia a esquerda, que se originou no movimento revolucionário de 1789 e foi, consequentemente, profanadora da ordem tradicional com a imposição das primeiras noções de liberalismo, como os direitos do indivíduo, o igualitarismo abstrato, universalismo e o iluminismo.
A partir daquele momento, houvera uma grande batalha ideológica entre as duas correntes. No entanto, esta forma de esquerda liberal encontrou seu lado oposto à frente de uma nova esquerda, uma esquerda popular, através da Revolução de Outubro de 1917. Uma esquerda em que o sujeito político não era mais o indivíduo, mas a classe trabalhadora. Uma esquerda que não defendia o universalismo (que segundo os marxistas era visto como um conceito pertencente à alta burguesia), mas reconhecia os Estados nacionais, enquanto defendia o conceito internacionalista, a solidariedade entre os países, a soberania popular, o anti-capitalismo e o anti-imperialismo.
É a partir desta esquerda popular que várias revoluções se inspiraram, fossem as decolonias na África e na Ásia ou anti-imperialistas como na América do Sul. No entanto, esta esquerda popular logo se afogou na degeneração neoliberal pós-1989, mas também após as revoluções de 1968 que tinham como objetivo a disseminação do liberalismo cultural dos costumes. Passa de um estatuto de luta contra o Capital globalizado à escravidão/alinhamento deste último, do patriotismo internacionalista ao projeto globalista que consiste em eliminar as fronteiras nacionais, do anti-imperialismo à legitimação das desestabilizações na África, Oriente Médio e América do Sul.
As lutas horizontais dos trabalhadores e do povo são substituídas por lutas individualistas, como o feminismo pós-moderno (que deve ser diferenciado do feminismo original ainda não intoxicado, que lutou por uma causa real), a causa LGBT, o anti-racismo, e a questão imigratória. Para salientar: se é verdade que os direitos dos homossexuais devem ser respeitados e todas as formas de homofobia devem ser severamente reprimidas, não é favorecendo micro-lutas horizontais contra o inimigo errado que a questão da discriminação será resolvida. O liberalismo globalizado que esta esquerda defende, visa setorizar, segregar, fracionar e dividir o povo em diferentes lutas, para evitar que este estigmatize e se oponha contra aqueles que lucram com o sofrimento dos povos.
O mesmo raciocínio se aplica ao anti-racismo pós-moderno e burguês. A melhor maneira de acabar com o racismo não é implorar por igualdade integrando movimentos como o Black Lives Matter (anti-racismo burguês), mas reconhecer que na singularidade da humanidade somos diferentes e devemos valorizar nossa herança histórica e a identidade (identidade anti-racista) sem ser xenófobo com o resto da humanidade. A segunda maneira é entender a armadilha dos liberais e globalistas que querem nos trancar em uma afronta de preto ou branco, quando na realidade devemos denunciar e lutar contra os opressores globais apátridas de todas as cores (anti-racismo e anti-capitalismo). Porque, como Stockely Carmichael disse: o racismo é uma questão de poder da supremacia liberal. Portanto, não importa se você é preto ou branco. O que é certo é que todos nós sofremos a hegemonia do liberalismo econômico e sociocultural.
Por um lado, há uma direita que afirma lutar contra a esquerda degenerada e niilista. Uma direita que critica as consequências da imigração talássica, mas se mantém em silêncio sobre as causas, isto é, a desestabilização da África e do Oriente Médio. Uma Direita que fez de sua batalha a luta contra a imigração visível (proletários negros e árabes que emigram), ignorando a invisível (a finança internacional sem Estado que colonizou a mídia, a economia e a política). É sobre essas realidades que você deve ter um pouco mais de compreensão e ser mais objetivo sobre as reclamações. Tanto a Esquerda como a Direita estão erradas: A Esquerda é a favor do imigrante talássico e a Direita fica em silêncio sobre o domínio imperialista do chamado Terceiro Mundo. A conclusão é que a direita liberal e a esquerda liberal reformista são duas faces da mesma moeda. Estamos falando de uma Direita que avançou em direção ao livre mercado desregulado, da luta contra o imperialismo americano à colaboração com este último e com nações como Israel. Estamos, portanto, testemunhando uma era em que o niilismo capitalista e liberal global assumiu conquistando todas as cores políticas.
No entanto, em comparação com o Ocidente, as nações revolucionárias do histórico Tri continental não experimentaram essa ofuscação sócio-político-econômica. Se olharmos para a África antes da queda do Muro de Berlim, figuras políticas como Ahmed Sékou Touré da Guiné, Patrice Emery Lumumba da República Democrática do Congo, Thomas Isidore Sankara do Burkina Faso ou Muammar Gaddafi da Líbia (através de seu famoso ensaio “O Livro Verde” em que ele fala da Terceira Teoria Universal), eles entenderam que era necessário aplicar a política seguindo uma forma de socialismo popular endógeno, anti-imperialista, anti-capitalista e internacionalista, sem esquecer a exaltação do patriotismo, identidade, o sentido da tradição e da comunidade. Poderíamos categorizar a mesma observação sobre Hugo Chávez, que batizou o que foi chamado de “socialismo do século XXI”, levantando características bolivarianas, socialistas e um senso de patriotismo, identidade e orgulho religioso (através do cristianismo). No Oriente Médio, Bashar Al-Assad empreendeu a mesma dinâmica, através do baathismo, com o objetivo de unir o socialismo popular panárabe, o patriotismo panárabe, a identidade árabe, o anticapitalismo e o anti-imperialismo. Poderíamos também pegar o exemplo de Mahmud Ahmadinejad, que compreendeu a necessidade de ir além dos velhos sistemas políticos, para se encaixar em uma linha populista (a linguagem do povo contra as elites hegemônicas), que é o caminho do meio direito entre uma esquerda popular e uma direita de valores.
Inspirado por eles, um novo modelo paradigmático em escala global, mas adaptado às realidades de cada civilização, é possível. Um modelo que vai adquirir o caminho do tradicionalismo integral como um abrigo em face do globalismo, que vai redescobrir Deus contra o deus do dinheiro, a soberania internacionalista, a identidade, a consciência populista, os direitos sociais e uma economia solidária capaz de combater o liberalismo global.
Fonte: Geopolitica.ru
Tradutor: Mateus do Prado.