Integração e Fragmentação: Os Casos do Líbano e de Belarus

Escrito por Marco Ghisetti
A atual situação caótica que se desenrola tanto em Belarus como no Líbano evidencia os já conhecidos traços de operações de guerra híbrida que levam a tentativas de revolução colorida. Mas para além do exame dos casos singulares é possível notar padrões estratégicos nas diferentes maneiras pelas quais EUA e Rússia e China atuam na geopolítica. A potência hegemônica unipolar sempre fomentando a fragmentação de outros países, as potências regionais multipolares sempre fomentando as integrações regionais.

Segundo uma insigne opinião apresentada no início deste milênio pelo prof. François Thual[1] , existem duas tendências nas relações internacionais: a da fragmentação do planeta e a das integrações continentais. Estas tendências existem porque, dadas as condições atuais, somente os Estados que gozam de uma dimensão continental podem desempenhar um papel de liderança no cenário mundial: Estados Unidos, China, Rússia, Índia, Brasil, etc., e os Estados Unidos da América. Os estados de pequenas e médias dimensões, ao invés disso, não podem deixar de desempenhar um papel secundário e, portanto, gravitar mais ou menos completamente dentro da órbita de influência de uma potência maior, talvez esperando fazer o Arlequim entre dois mestres e arrancar as melhores condições possíveis de sujeição; ou, alternativamente, integrar-se com outros Estados para aumentar suas próprias capacidades.

A partir das pesquisas de Thual, Tiberio Graziani continuou este raciocínio, acrescentando que a primeira tendência é a dos Estados Unidos, enquanto a segunda é a das potências terrestres eurasiáticas, principalmente a Rússia e a China[2]. Sendo os Estados Unidos o Estado relativamente mais poderoso do mundo no final da Guerra Fria e sendo uma potência talassocrática disposta a modificar ainda mais o status quo da ordem mundial em seu favor[3] , eles têm o interesse de impedir o nascimento de um competidor favorecendo o fracionamento do mundo, enquanto a Rússia e a China têm o interesse de evitar uma maior fragmentação do planeta que favoreça Washington, procedendo a integrar espaços regionais dentro de sua própria área de influência para se caracterizar como potenciais potências hegemônicas regionais.

Na verdade, o lento e paciente trabalho de tecelagem sino-russo está dando seus primeiros frutos: algumas regiões do Oriente Médio e da Ásia Central foram estabilizadas e é cada vez mais difícil para os Estados Unidos projetar o que se acredita ser sua perturbadora influência[4]. O interesse em tal estabilização e expulsão também é compartilhado por muitos dos Estados do Oriente Próximo e da Ásia Central, que querem ter certeza de que “nenhuma revolução islâmica ou colorida ameace seu governo. “Se eles vêem com grande suspeita qualquer tentativa ocidental de abrir suas sociedades, […] acolhem o apoio russo e chinês.[5]” Isto tem “irritado fortemente aqueles lobbies europeus e estrangeiros que queriam […] a unificação do planeta sob a égide de Washington”[6]. Tal unificação, entretanto, é fundamentalmente diferente dos projetos de integração eurasiáticos, uma vez que envolve a “fragmentação federal”[7] de Estados grandes e médios necessária para que os Estados Unidos se mantenham no patamar de Leviatã global[8].

Com o acima exposto em mente, pode-se verificar brevemente através de dois casos exemplares que as observações de Thual e Graziani ainda são válidas e continuam a fornecer orientações valiosas para a interpretação de eventos globais.

Após o resgate russo do regime sírio de al-Assad, o pequeno Estado do Líbano foi nomeado “um ponto importante no projeto chinês ‘Rota da Seda'”[9]. Na verdade, a idéia chinesa era conectar cidades sírias a portos libaneses por ferrovia – uma idéia também compartilhada pelo Irã, que está tentando construir uma ferrovia do seu território para o Mediterrâneo oriental; o embaixador dos EUA no Líbano, no entanto, advertiu o governo libanês que “virar para o leste […] poderia ocorrer às custas da prosperidade, estabilidade e sustentabilidade financeira do Líbano”[10]. Agora, a destruição completa do porto de Beirute está claramente atrasando os projetos de infra-estrutura da Rússia, China e Irã. Mas se a explosão no porto também pode ser acidental, o incêndio deflagrado pelo circomidiático atlantista contra os supostos perpetradores, indicados no Hezbollah (aliado do Irã na área e componente fundamental do “Crescente Xiita”) e contra o governo libanês (que se abriu ao projeto geoeconômico chinês e agora é forçado a renunciar) certamente se deve a uma escolha interessada em atingir certos atores que operam nesses projetos de integração.

Um discurso semelhante deve ser feito para Belarus, que é de importância primordial em termos da política européia tanto para a Rússia quanto para a China. Uma possível tomada do poder por um governo atlantista significaria a interrupção imediata dos projetos de integração sino-russos no país, resultando em “uma fonte potencial de falência para todos os atores envolvidos”[11]. A expulsão de Belarus dos projetos de tessitura eurasiáticos com conseqüente inclusão na Iniciativa dos Três Mares e dentro do eixo polaco-lituano cunharia os laços entre Bruxelas, Moscou e Pequim, sabotando ou enfraquecendo a posição da Europa tanto em relação aos dois gigantes asiáticos quanto em relação ao gigante ultramarino. Em particular, isto fragmentaria ainda mais a União Européia, tornando os Estados europeus individuais, que são de tamanho médio ou pequeno, mais dependentes da vontade de Washington[12]. Em outras palavras, o atual apoio atlantista ao que o circo midiático chamou de “oposição democrática bielorrussa” caracteriza-se em termos de uma tentativa de fragmentação e não de integração.

Em conclusão, pode-se dizer que as duas tendências divergentes de “integração” e “fracionamento” identificadas há quase vinte anos por Thual e depois reiteradas por Graziani ainda são válidas e caracterizarão as perspectivas geopolíticas do futuro. Onde o interesse sino-russo será o da integração, o interesse americano será o da fragmentação.

Notas

[1] – François Thual, Il mondo fatto a pezzi, Edizioni all’insegna del Veltro, Parma, 2008.
[2] – Tiberio Graziani, Il tempo dei continenti e la destabilizzazione del pianeta, eurasia-rivista.com, 2008.
[3] – Nuno P. Monteiro, Theory of Unipolar Politics, Cambridge, 2014
[4] – Paul J. Bolt, Sharyl N. Cross, China, Russia and Twenty-First Century Global Geopolitics, Oxford, 2018
[5] – Angela Stent: Putin’s World: Russia Against the West and with the Rest, 2019.
[6] – Tiberio Graziani, op. cit.
[7] – Andrew Korybko, E pluribus unum. Ex uno plures, in “Eurasia. Rivista di studi geopolitici”, vol. 2/2016, pp. 31-57.
[8] – John G. Ikenberry, Liberal Leviathan. The Origins, Crisis, and Transformations of the American World Order, Princeton, 2011
[9] – Il Libano si rivolge alla Cina per risolvere la sua crisi finanziaria, parstoday.com, 17/07/2020, https://parstoday.com/it/news/middle_east
[10] – Ibid
[11] – Emanuel Pietrobon Cosa succede se cade Lukashenko, insideover.com, 14/08/2020
[12] – Claudio Mutti, Il cordone sanitario atlantico, eurasia-rivista.com, 2016

Fonte: Eurasia Rivista

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