Manifesto do Hezbollah – Carta Aberta aos Oprimidos do Líbano e do Mundo

Introdução [1]:

Muitas vezes nos perguntam: quem é o Hezbollah? Qual é a sua identidade?

Nós somos os filhos da umma (comunidade muçulmana), o Partido de Deus (Hizb-Allah), a vanguarda do que foi feito vitorioso por Deus no Irã. A vanguarda que conseguiu estabelecer as bases para um Estado Muçulmano e que exerce um papel central no mundo.

Nós obedecemos às ordens de um Líder, sábio e justo, que cumpre todas as condições necessárias para ser o nosso tutor e Faqih (jurista): Ruhollah Khomeini Musawi. Deus o salve!

Assim, não nos constituímos como um partido organizado e fechado no Líbano, nem somos um quadro político cristalizado: somos uma umma, ligada aos muçulmanos de todo o mundo pela conexão doutrinal e religiosa sólida do Islã, cuja mensagem Deus aprouve ser cumprida pelo Selo do Profeta, ou seja, por Muhammad. É por isso que tudo o que toca ou golpeia os muçulmanos no Afeganistão, no Iraque, nas Filipinas, como em outros países, reverbera por toda a umma muçulmana da qual somos parte integrante.

Nosso proceder é ditado a nós pelos princípios jurídicos estabelecidos à luz de uma concepção política global definida pelo Jurista Maior (Wilayat al-Faqih). Quanto à nossa cultura, é baseada no Alcorão, na Sunna e nas decisões judiciais do Faqih, que é a nossa fonte de imitação (Marje` al-taqlid). Nossa cultura é cristalina, não é de difícil entendimento e é acessível a todos.

Ninguém pode subestimar a importância do nosso poderio militar, bem como o fato de que nosso aparato militar não está separado do nosso tecido social em geral: cada um de nós é um soldado de combate. E quando se torna necessário levar a cabo a Guerra Santa, cada um de nós toma a sua atribuição na luta, no âmbito da missão a ser realizada, de acordo com os preceitos da Lei e sob a tutela do Comando Jurídico.

Nossa Luta:

Os EUA têm tentado, através de seus agentes locais, convencer as pessoas de que aqueles que esmagaram sua arrogância no Líbano, bem como frustraram sua conspiração contra o oprimido (mustad’afin), não passam de um bando de terroristas fanáticos, cujo único objetivo é dinamitar e destruir máquinas de escavação. Tais sugestões não podem e não vão enganar a nosso umma, porque o mundo inteiro é ciente de que aquele que quiser se opor aos Estados Unidos – esta superpotência arrogante – não pode se dar ao luxo de levar a cabo ações marginais que o desviem do seu foco principal. Nós combatemos a abominação e arrancaremos suas raízes, suas raízes primárias: que são os EUA. Todas as tentativas de nos empurrar em direção a ações marginais fracassarão, pois o nosso intento de combater os EUA é sólido.

Declaramos abertamente e em voz alta que somos uma umma que teme somente a Deus e que não está disposta a tolerar a injustiça, a agressão e a humilhação. A América, seus aliados do Pacto Atlântico e a entidade sionista na Terra Santa da Palestina nos atacaram e continuam a fazê-lo sem descanso. Pretendem nos rebaixar ao pó continuamente. É por isso que nos encontramos cada vez mais em estado de alerta permanente, com a finalidade repelir a agressão e defender nossa religião, nossa existência, nossa dignidade: eles invadiram nosso país, destruíram nossas aldeias, cortaram as gargantas dos nossos filhos, violaram os nossos santuários e puseram fogo em nosso povo, cometendo os piores massacres contra nossa umma. Não cessam em apoiar os aliados de Israel e não nos permitem decidir acerca de nosso destino a partir da nossa própria vontade.

Em uma única noite, israelenses e falangistas executaram milhares dos nossos filhos, mulheres e crianças em Sabra e Shatila. Nenhuma organização internacional protestou ou efetivamente denunciou tal massacre, um massacre perpetrado com a colaboração tácita de seus aliados europeus e americanos, que tinham se retirado há alguns dias, talvez algumas horas, dos assentamentos palestinos – os derrotistas libaneses aceitaram colocar os assentamentos sob a proteção do enviado norte-americano Philip Habib (aquela raposa velha).

Nossa única alternativa foi fazer frente à agressão por meio do sacrifício. A coordenação entre os falangistas e Israel continuava e avançava. Cem mil vitimas: tal é o balanço aproximado dos crimes cometidos por eles e pelos Estados Unidos contra nós. Quase meio milhão de muçulmanos tiveram que abandonar suas casas. Seus bairros foram praticamente arrasados em Nab’a, Beirute (meu próprio bairro), assim como em Burj Hammud, Dekonaneh, Tel Zaatar; Sinbay, Ghawarina e Jubeil – hoje, todos estes bairros são zonas controladas pelas “Forças Libanesas”.

A ocupação sionista desencadeou uma invasão usurpatória no Líbano, em plena e manifesta aliança com a Falange. Esta inviabilizou toda tentativa de resistir às forças invasoras. Participou na aplicação de determinados planos de Israel para tornar realidade o seu sonho no Líbano e acatou todas as petições israelenses para obter poder. E isso, com efeito, foi o que aconteceu. Bashir Gemayel, este carniceiro, tomou o poder com a ajuda mancomunada dos países da OPEP e da família Gemayel. Tratou de melhorar sua feia imagem se unindo ao Sexpartito Comitê de Seguridade Pública, presidido pelo ex-presidente Alias Sarkis, que não era senão uma ponte americano-israelense usada pelos falangistas para dominar os oprimidos.

Nosso povo não podia seguir tolerando a humilhação. Destruiu os opressores, os invasores e seus lacaios. Mas os Estados Unidos persistiram em sua loucura e colocaram Amin Gemayel no lugar de seu irmão. Entre seus primeiros e supostos feitos estiveram a destruição dos centros que acolhiam refugiados e outros despossuídos, ataques a mesquitas e a ordem dada ao exército para bombardear os bairros do Sul de Beirut, onde residiam os oprimidos. Convocou as tropas europeias para ajudá-lo contra nós e firmou o acordo de 17 de Maio com Israel, que converteu o Líbano em protetorado americano.

Nosso povo já não podia suportar mais traições. Decidiu fazer frente à infidelidade atacando seus quartéis generais e desencadeando uma autêntica guerra de resistência contra as forças de ocupação. Finalmente, o inimigo teve de optar pela retirada.

Nossos Objetivos:

Falaremos com sinceridade: os filhos do Hezbollah sabem quem são seus principais inimigos no Oriente Médio: a Falange, Israel, a França e os Estados Unidos. Os filhos de nossa umma se encontram atualmente em um estado de confrontação crescente com eles até que se concretizem os três seguintes objetivos:

(a) Expulsar os americanos definitivamente do Líbano, bem como os franceses e seus aliados, pondo fim a toda entidade colonialista em nossa terra;

(b) Submeter a Falange a um poder justo e levá-la a justiça pelos crimes que tem cometido contra muçulmanos e cristãos;

(c) Permitir que todos os filhos de nosso povo determinem seu futuro e escolham livremente a forma de governo que desejam. Instamos a todos eles a escolher a opção do governo islâmico, que é a única que pode garantir a justiça e a liberdade para todos: só um regime islâmico poderá frear qualquer novo intento de infiltração imperialista em nosso país.

Estes são os objetivos do Líbano – estes são os nossos inimigos. E quanto aos nossos amigos, são todos os povos oprimidos do mundo. São também nossos amigos aqueles que combatem nossos inimigos e nos defendem de suas maldades. A estes amigos, indivíduos e organizações, dizemos: amigos, onde quer que estejais no Líbano… Estamos de acordo convosco acerca destes objetivos grandes e irrenunciáveis: destruir a hegemonia americana em nossa terra; colocar fim à deletéria ocupação israelense; rechaçar todos os intentos dos falangistas no sentido de monopolizar o poder e o governo. Ainda que tenhamos, amigos, pontos de vista muito diferentes sobre os meios da luta e os níveis apropriados para liberá-la, devemos superar estas divergências insignificantes e consolidar nossa cooperação, mirando o grande propósito.

Somos uma umma que segue a mensagem do Islã. Queremos que todos os oprimidos possam estudar a mensagem divina direcionada à consecução da justiça, da paz e da tranquilidade para o mundo. Por essa razão, não queremos impor o Islã a ninguém, como tampouco queremos que outros nos imponham suas convicções e seus sistemas políticos. Não queremos que o Islã reine no Líbano pela força, como ocorre hoje com os maronitas. Eis o mínimo que podemos aceitar para poder alcançar, por meios legais, a realização das nossas ambições: salvar o Líbano de sua dependência do Oriente e do Ocidente, pôr fim a ocupação estrangeira e adotar um regime livremente escolhido pelo povo do Líbano.

Esta é a nossa percepção sobre o atual estado de coisas. Esse é o Líbano que desejamos. À luz de nossas concepções, nossa oposição ao sistema atual ocorre em função de dois fatores: (1) o presente regime, produto de uma arrogância tão injusta que nenhuma reforma ou alteração poderia remediar, precisa ser transformado radicalmente, e (2) o imperialismo mundial, que é hostil ao Islã.

Consideramos que qualquer oposição que se faça no Líbano em nome da reforma só pode beneficiar, em última instância, ao sistema vigente. Toda oposição deste gênero, que opera dentro do marco da manutenção e da salvaguarda da atual constituição, mas sem exigir mudanças nos próprios fundamentos do regime, neste sentido, é uma oposição puramente formal, que não pode satisfazer aos interesses das massas oprimidas. Da mesma forma, toda oposição que enfrenta o atual regime dentro dos limites fixados por ele é uma oposição ilusória, que presta um grande serviço ao sistema de Gemayel. Não pode nos interessar nenhuma proposta de reforma política que aceite o poderio do sistema vigente. Não poderíamos ser mais indiferentes à criação de tal ou qual coalizão governamental ou a participação de esta ou aquela personalidade política em postos ministeriais que só são parte deste regime injusto.

A política seguida pelos chefes do maronismo político através da “Frente Libanesa” e das “Forças Libanesas” não pode garantir a paz e a tranquilidade para os cristãos do Líbano, uma vez que se baseia no asabiyya (particularismo estreito), nos privilégios confessionais e na aliança com o colonialismo. A crise libanesa tem demonstrado que os privilégios confessionais são uma das principais causas da conflagração que tem assolado o país. Também demonstrou que a ajuda do exterior não serviu em nada aos cristãos do Líbano quando estes mais necessitavam. Apoiamos as campanhas para que os cristãos fanáticos se libertem das lealdades confessionais e das ilusões nascidas do monopólio de privilégios em detrimento de outras comunidades. Os cristãos devem responder ao chamado do século e recorrer à razão ao invés das armas, a persuasão ao invés do confessionalismo.

Para os cristãos:

Você, ó cristão, que não pode tolerar que os muçulmanos compartilhem com vocês alguns domínios do governo: Allah também tornou intolerável para os muçulmanos participarem de um regime injusto, injusto para você e para nós, um regime que não se baseia nas prescrições (Ahkam) da religião e sobre a base da Lei (a Sharia), conforme estabelecido por Muhammad, o Selo dos Profetas. Se você procura a justiça: quem é mais justo do que Deus? É Ele quem fez descer do céu a mensagem do Islã através de seus sucessivos profetas, a fim de que eles julguem as pessoas e confiram a todos os seus direitos. Se você foi enganado e levado a acreditar que nós planejamos vingança contra você: seus medos são injustificados. Aqueles que, dentre vocês, são pacíficos, continuam a viver em nosso meio, sem que ninguém sequer pense em incomodá-lo.

Nós não lhe desejamos mal. Nós o chamamos a abraçar o Islã, de modo que você possa ser feliz neste e no próximo mundo. Se você se recusa a aderir o Islã, mantenha os seus laços com os muçulmanos e não tome parte em qualquer atividade contra eles. Libertem-se dos frutos do confessionalismo deplorável. Expulsem de seus corações todo fanatismo e provincianismo. Abram seus corações para o nosso Chamado (da’wa), que nós dirigimos a você. Abram-se para o Islã, onde poderão encontrar salvação e felicidade, na terra e no além.

Nós estendemos este convite também para todos os oprimidos entre os não-muçulmanos. Quanto àqueles que pertencem ao Islã apenas formalmente, nós o exortamos à  aderir ao Islã na prática religiosa e a renunciar a todos os fanatismos que são rejeitados por nossa religião.

Contexto mundial:

Rechaçamos tanto a URSS quanto os EUA, tanto o capitalismo quanto comunismo, pois ambos são incapazes de estabelecer as bases de uma sociedade justa.

Com veemência especial rejeitamos a FPNUL, já que foram enviados pela arrogância mundial para ocupar as zonas evacuadas por Israel e servir para este último como uma zona de amortização.  Eles devem ser tratados semelhantemente aos sionistas. Todos devem saber que os objetivos do regime falangista não é levar qualquer carga junto com os combatentes da Guerra Santa, ou seja, a resistência islâmica.

Este é o pesadelo que aguarda toda a intervenção estrangeira.

Assim são e serão nossas ideias e nossos objetivos, que servem de base para a nossa luta e nos inspiram. Quem as aceita deve saber que todos os direitos pertencem à Allah e Ele os outorga. Quem os rechaça, seremos pacientes com ele, até que Allah decida entre nós e o povo da injustiça.

A necessidade para a destruição de Israel:

Enxergamos Israel na vanguarda dos Estados Unidos no mundo islâmico. É o inimigo odiado que deve ser combatido até que, como odiado, tenha o que merece. Este inimigo é o maior perigo para nossas futuras gerações e para o destino das nossas terras, particularmente no que tange às ideias de colonização e expansão, iniciadas na Palestina e projetadas para fora, para a extensão da Grande Israel, a partir do Eufrates ao Nilo.

Nossa hipótese principal em nossa luta contra Israel afirma que a entidade sionista é agressiva desde o seu início e que foi construída sobre terras arrancadas de seus proprietários, em detrimento dos direitos dos povos muçulmanos. Por isso a nossa luta só terminará quando tal entidade for obliterada. Não reconhecemos nenhum tratado com ela, nenhum cessar-fogo e não existirão acordos de paz, total ou parcialmente.

Condenamos energicamente todos os planos de negociação com Israel e consideramos todos os negociadores como inimigos, uma vez que semelhante negociação não é senão o reconhecimento da legitimidade da ocupação sionista na Palestina. Portanto, nós opomos e rejeitamos os acordos de Camp David, as propostas do Rei Fahd, o plano de Fez e Reagan, as propostas da França e do Egito, a de Brezhnev e todos os outros programas que incluem o reconhecimento (mesmo que implícito) da entidade sionista.

[1] Esta é uma tradução ligeiramente abreviado, publicada originalmente pela revista israelense Jerusalem Quarterly, do documento intitulado Nass al-Risala al-Maftuha allati wajahaha Hizballah ila-l-Mustad’afin fi Lubnan wa-l-Alam, lido pela primeira vez pelo porta-voz do Hezbollah, Sheikh Ibrahim al-Amin, na Mesquita Al-Ouzai (oeste de Beirute) e publicado em 16 de fevereiro de 1985 em al-Safir (Beirute) e também em uma brochura separada.

Deixar uma resposta