Alain de Benoist – Sobre Georges Sorel

Ainda que a violência esteja sempre na ordem do dia, o quinquagésimo aniversário da morte de Georges Sorel teria passado desapercebido se as Éditions Marcel Rivière não tivessem tido a ideia de republicar Réflexions sur la violence [Reflexões sobre a Violência] (Paris: Éditions Marcel Rivière, 1973).

“Sorel, enigma do séc. XX, é uma trasplantação de Proudhon, enigma do séc. XIX”, escrevia Daniel Halévy no seu prefácio do livro de Pierre Andreu, Notre Maitre, M. Sorel (Grasset, 1953). Enigma, de fato: um ideólogo constituído como gigante: orelhas coladas sobre as têmperas, nariz forte, olhos claros, a barba branca. Enigma: este socialista obstinado, indisposto perante a Revolução Russa, simpatizante da Action Française, admirador de Renan, Hegel, Bergson, Maurras, Marx e Mussolini.

George Sorel nasceu em Cherbourg em 2 de Novembro de 1847. É duplamente normando: pela Mancha e por Calvados. Seu primo germano, Albert Sorel, far-se-á historiador do Império e da Revolução.

Graduado na École polytechnique, engenheiro de pontes e de estradas, Sorel só se consagra aos problemas sociais a partir de 1892. Seus livros, que raramente são lidos atualmente, não obstante mantiveram seu valor –notavelmente, Les illusions du progrès [As Ilusões do Progresso], Réflexions sur la violence [Reflexões sobre a Violência], De l’Église et de l’État [Sobre Igreja e o Estado], De l’utilité du pragmatisme [A Utilidade do Pragmatismo], La décomposition du marxisme [A Decomposição do Marxismo], D’Aristote à Marx [De Aristóteles a Marx], La ruine du monde antique [A Ruína do Mundo Antigo], Le procès de Socrate [O Julgamento de Sócrates], etc.

Publicado pela primeira vez em 1908, Réflexions sur la Violence reapareceu em 1973 na coleção Études sur le Devenir Social, cujo diretor é Julien Freund, professor na Universidade de Strasbourg.

O livro apareceu de improviso como a obra base do sindicalismo revolucionário.

Hostil ao socialismo parlamentar e a Jean Jaurès, que acusa de se ter alimentado de ideologia burguesa, George Sorel opõe-lhe aquilo a que chama a Nouvelle École. Ele via na greve a forma essencial de reivindicação social. É por meio da greve geral que a sociedade será dividida em facções inimigas e o Estado burguês destruído. A greve é a manifestação mais brilhante da força individualista nas massas sublevadas.

A greve implica a violência. Ao contrário dos socialistas do seu tempo (exceção feita a Proudhon), Sorel não opõe o trabalho à violência. Recusa-se a glosar o desejo de paz dos trabalhadores. A violência é para ele um ato de guerra: “Um ato de pura luta, semelhante à de um exército em campanha”, escreve ele.

“Esta assimilação entre a greve e a guerra é decisiva”, indica Claude Polin no prefácio da nova edição de Réflexions, “pois tudo que a guerra toca se produz sem ódio e espírito de vingança: na guerra não se matam os vencidos; não se sujeita não-combatentes às consequências dos dissabores que os exércitos podem ter experimentado no campo de batalha”. O que explica a razão porque Sorel reprova a violência-vingança dos revolucionários de 1793: “Não se deve confundir a violência com as brutalidades sanguinárias que não levam a nada.”

No Início era a Ação:

Retomando a distinção, já hoje clássica, entre guerra justa e guerra injusta, opõe a violência burguesa à violência proletária. Esta última possui, a seus olhos, uma dupla virtude. Não só deve assegurar a revolução futura mas é ainda o único meio de que dispõem as nações europeias, “estupidificadas pelo humanitarismo”, para reencontrar a sua antiga energia.

A luta de classes é, portanto, um afrontamento de vontades firmes, mas não cegas. A violência se transforma na manifestação de uma vontade. Ao mesmo tempo, exerce uma espécie de função moral: produz um estado mental épico.

“A violência”, declara Sorel ao seu amigo Jean Variot, “é uma doutrina intelectual: a vontade de cérebros poderosos que sabem o que querem. A verdadeira violência é o que é necessário para se ir até ao fim das ideias” (Propos de George Sorel, Gallimard, 1935).

Sorel teria aprovado estas palavras de Goethe: “No começo era a ação”. Para ele, o homem que age, o que quer que ele faça, é sempre superior ao homem que se submete: “A verdadeira violência demonstra, no primeiro plano, o orgulho do homem livre”.

Para que o mundo atual readquira a sua energia é preciso um mito, isto é, um tema que não seja nem verdadeiro nem falso, mas que aja poderosamente nos espíritos, mobilize e incite à ação.

George Sorel via na Prússia do último século a herdeira da antiga Roma.

Para cantar as virtudes prussianas, encontra um tom que não deixa de evocar Moeller Van der Bruck (Der preussische Stil). “Sorel, o artesão, tem o culto do trabalho bem feito”, nota Claude Polin, “e o trabalho bem feito deve constituir um fim em si, independentemente dos benefícios que dele se retiram. Este desinteresse é próprio da violência: no fundo do pensamento de Sorel há a intuição de que todo o trabalho é uma luta, em especial o trabalho bem feito, e até de que o trabalho só é bem feito quando é uma luta. Esta ideia retoma a intuição do carácter essencialmente prometeico do trabalho. Todo o verdadeiro trabalho é uma transformação das coisas que comporta a necessidade de se transformar a si próprio e aos outros consigo.”

Pouco a pouco, Sorel acaba por denunciar a democracia (verdadeira ditadura da incapacidade) conjugando os acentos de um Maurras, um Bakunin e um Secrétan.

A ditadura do proletariado surge-lhe mais ou menos como um engodo: “É preciso ser-se ingênuo para supor que todas as pessoas que retiram proveito da ditadura demagógica abandonariam facilmente as suas vantagens”. De passagem, recusa o papel de vanguarda que o bolchevismo intelectual pretende para si: “Todo o futuro do socialismo reside no desenvolvimento autônomo dos sindicatos operários” (Matériaux pour une Théorie du Prolétariat). “Marx nem sempre foi bem inspirado”, prossegue ele, “nos seus escritos, acontece-lhe introduzir quantidades de velharias provenientes dos utopistas.”

Esta concepção da ação está em completa oposição com as teorias vanguardistas (o trotskismo, por exemplo), mas encontramo-la nas propostas do sindicalismo revolucionário e do anarco-sindicalismo.

Finalmente, se Sorel defende o proletariado com um tal encarniçamento, não é por sentimentalismo, como Zola, nem pelo gosto pequeno-burguês da culpabilidade, nem mesmo porque o aflige uma consciência de classe. É porque está convencido que, no seio da sociedade burguesa, só no povo se poderá encontrar a energia que as classes dirigentes perderam. Consciente das “ilusões do progresso”, constata que as sociedades, como os homens, são mortais. A esta fatalidade, opõe uma vontade de viver de que a violência é uma das manifestações.

Hoje em dia, Sorel denunciaria tanto a sociedade mercantil quantos os mestres pensadores da contestação. “Marcuse representaria a seus olhos”, escreve Polin, “o exemplo típico do homem degenerado pela crença beatífica do progresso, iludido por um progresso de que nada compreendeu e do que tudo esperava, incapaz de pôr a sua esperança para além de um progresso exacerbado, radicalizado, nesse sonho de uma abundância, de tal modo automática, que traria em primeiro lugar a felicidade tornando possível a saciedade desordenada das paixões mais loucas, numa palavra, incapaz de compreender que a fonte do mal está no homem, desvirilizado pela fé econômica.”

O nome da velha Antioquia:

A partir de 1907, George Sorel faz-se artesão de uma aproximação entra anti-democratas de esquerda e de direita. O órgão desta aproximação é a Reuve Critique des Idées et des Livres, onde o nacionalista George Valois publica os resultados do seu inquérito sobre a monarquia e a classe trabalhadora.

Em 1910 surge a revista La Cité Française. Depois, de 1911 a 1913, L’Indépendence. Aí se encontram as assinaturas de George Sorel, Jean Variot, Edouard Berth, Daniel Halévy, mas também dos irmãos Tharaud, de René Benjamin, Maurice Barrès e de Paul Bourget.

Em 1913, o jornalista Edouard Berth, autor de Méfaits des Intellectuels, saúda, em Maurras e em Sorel, “os mestres da regeneração francesa e europeia”. Mas, em Setembro de 1914, Sorel escreve-lhe: “Entramos numa era que bem poderia ser caracterizada pelo nome de Velha Antioquia. Renan descreveu muito bem esta metrópole de cortesões, charlatães e mercadores. Em breve teremos o prazer de ver Maurras condenado pelo Vaticano, o que será a justa punição das suas afrontas. Aliás, a que poderia realmente corresponder um partido realista numa França unicamente ocupada em desfrutar a vida fácil de Antioquia?”

“A Maurras”, explica o sociólogo Gaëtham Pirou, “Sorel reprovava o ser demasiado democrático, censura que, à primeira vista, pode parecer paradoxal. Na realidade o que Sorel queria dizer é que Maurras, positivista e intelectualista, não tinha repudiado a democracia senão sob o seu aspecto político e não no seu fundamento filosófico” (George, Sorel, Marcel Rivière, 1927).

Nacional-Revolucionários:

Sorel terá influenciado Barrès e Péguy tanto como Lenine. Este último, no Matérialisme et Empiriocriticisme, denunciá-lo-á, no entanto, como um “espírito trapalhão.”

Depois da França”, observou Alexandre Croix na Révolution Prolétarienne, “a Itália terá sido a ‘terra prometida do sorelismo'”. Sorel exerceu ali, aliás, uma grande influência na escola sindicalista dirigida pelo futuro ministro italiano do Trabalho (1920-1921), Arturo Labriola. Este, desde 1903, traduzia L’Avenir Socialiste des Syndicats no Avanguardia de Milão. Um dos seus lugares-tenentes, Enrico Leone, foi quem prefaciou a primeira aparição de Réflexions que surgiu em Itália sob o título Lo Sciopero Generale e la Violenza (A Greve Geral e a Violência).

A seguir, Sorel teve igualmente influência sobre Vilfredo Pareto, Benedetto Croce, Giovanni Gentile e (através de Hubert Lagardelle), sobre Benito Mussolini. Na Alemanha, o sorelismo encontra uma espécie de prolongamento nas correntes nacional-revolucionárias e nacional-comunistas que se manifestaram nos meados dos anos vinte durante a Weimar. (Cf. Michel Freund, George Sorel: Der Revolutionäre Konservatismus, Vittorio Klostermann, Frankfurt/M., 1932 e 1972.)

Logo que Sorel morreu, em 1922, o monárquico George Valois, em L’Action Française, e o socialista Robert Louzon, em La Vie Ouvrière, renderam-lhe uma homenagem plena da mesma admiração. Algumas semanas mais tarde Mussolini, ao fazer a sua entrada em Roma, declarava a um jornalista espanhol: “É a Sorel que devo quase tudo.”

O governo soviético e o Estado fascista propuseram, no mesmo dia, assumir o encargo do seu túmulo.

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Alain de Benoist

Escritor, jornalista, ensaísta e filósofo, um dos autores chave da Quarta Teoria Política, é autor de numerosas obras sobre uma vasta gama de temas, incluindo arqueologia, tradições populares e história da religião.

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Um comentário

  1. Quanta saudade dos grandes vultos da nossa história.

    Mas é graças a eles que aqui estamos, hoje.

    Prontos para continuar a luta, no Brasil e no mundo!

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